Já dizia o ditado que “recordar é viver” e realmente poucos ditados são tão verdadeiros quanto esse. Também se diz que à medida que vamos envelhecendo as memórias se tornam cada vez mais emotivas e se há algo a dizer sobre “PESADO – Que som é esse que vem de Pernambuco” é que a emoção aqui transborda em ondas sucessivas.
Primeiramente porque é um maravilhoso resgate da construção da cena heavy metal da cidade do Recife, resgate esse que contribui de forma imensurável para a manutenção dessa própria memória, já que se há algo que temos certeza é de somos finitos. Quando nossa geração, que viveu boa parte daquele momento histórico tiver partido registros como esse serão um testemunho vivo do que foi feito naqueles anos 70, 80 e 90.
A segunda razão da importância desse documentário é que todos aqueles que fizeram parte daquela cena em formação (me incluo aqui, razão pelo qual a emoção é tão aflorada) se enxergam em cada fala, cada quadro, cada “causo” contado. São nesses momentos que poderíamos fechar os olhos, respirar fundo e retornar aos saudosos anos da adolescência, anos de descobertas. Momentos de solidificação das amizades e até mesmos das “inimizades”, que ficaram no passado, testemunhos de um processo de amadurecimento nem tão apressado.
O trabalho realizado por Wilfred Gadêlha (amigo de longas datas, ex-membro do veteraníssimo Dark Fate) e Leo Grivellare é primoroso pois resgata, sem ser piegas, o que o metal representou para todos aqueles jovens e nem tão jovens participantes de um cena que mesmo estando longe do centro nervoso do metal nacional, conseguia produzir sua música e deixar marcas em todos que ali estavam vivendo e produzindo.
Eu me considero um membro da segunda geração de headbangers daquela cidade, alguém que foi introduzido a uma cena que vibrava com bandas como CRUOR, NECRÓPSIA, REALIDADE ENCOBERTA, CÂMBIO NEGRO, DARK FATE, THE AX, ARAME FARPADO e tantas outras que a memória prega peças e não me permite lembrar. Crescer em meio a eventos que pipocavam em várias partes da cidade, frequentando as carrocinhas de discos do centro do Recife, bebendo no pútrido, mas lendário Beco da Fome, trocando idéias, fitas, zines e qualquer coisa que desse na porta do cinema Veneza… As noites dormidas nos tatames da Academia de Wu-shu. Crescer entre as ruas e vielas do Recife, atravessando pontes reais e imaginárias na tentativa de criar algo que fosse relevante. Isso foi a minha visão desse “som que vem da cidade do Recife” e ao assistir a esse DVD foi como voltar ao passado e reviver tudo novamente. Algumas histórias reconhecendo do “ouvir falar”, outras experimentando-as ao vivo e à cores, voltando pelo menos uns 30 anos no passado.
“Pesado – Que som é esse que vem de Pernambuco” traz em sua essência tudo isso e mais, traz uma camada cultural que só quem é de Pernambuco ou viveu muito tempo lá vai conseguir perceber e isso faz dessa obra algo especial.
Tecnicamente, o que poderia eu dizer ? Não entendo dos meandros do cinema, técnicas de enquadramento, fotografia… Mas será necessário entender quando o que está em jogo são as memórias ? Para mim tudo está ali, de forma clara. Obviamente que sempre poderíamos falar: faltou isso, aquilo, e fulano ? e sicrano ? Mas como os próprios diretores discutem nos extras, seria impossível, em um DVD simples, passar a limpo décadas de música pesada, sonhos, frustrações, conquistas…
O que está ali é o que está ali. As entrevistas trazem personagens importantíssimos daquela cidade e de seu micro universo chamado “cena metal”. A narrativa flui de forma a realmente tocar na alma e no coração de quem fez parte disso tudo.
Infelizmente foi impossível estar na cidade e contribuir com esse projeto, mas todos nós nos sentimos representados naquelas cenas, falas, cores e sonhos. Se alguém me perguntasse que nota eu daria para essa obra eu teria que dizer que me recuso a “quantificar” a qualidade das memórias, pois elas não são boas ou ruins, elas existem por si próprias, alimentando a nós mesmos de forma realmente muito especial. O que me resta e oferecer palmas… de pé ! Obrigado por um trabalho como esse. Que as novas gerações do metal pernambucano possam olhar esse passado não como um livro de regras a seguir, mas como um lembrete de tudo que foi construído. Não para nós finalmente, mas para a posteridade, ainda que não tivéssemos a mínima noção disso.
É importante também citar que o DVD contou com apoio do Governo do Estado de Pernambuco, Funcultura, Fundarpe e Secretária de Cultura.
O DVD em si é muito bem feito, traz um encarte com várias fotos e cartazes de várias épocas do metal pernambucano e o que realmente achei uma ideia genial, cartões postais com cartazes de shows clássicos da cidade. Enfim, o que você está esperando para adquirir esse filme ?
Por Fábio Brayner (07/08/2020)
Para adquirir o DVD entrar em contato: pesadoofilme@gmail.com
Wilfred Gadêlha (whatsapp) – 81-994798327