Entrevistas

KANONENFIEBER / LEIÞA – Projetos solo de histórias reais e emoções extremas

Falamos com o criador dos projetos KANONENFIEBER e LEIÞA, o músico autodidata, extremamente criativo e inquieto NOISE. História imperdível e grande exemplo de motivação e superação:

Saudações “NOISE”, bem-vindo ao THE OLD COFFIN SPIRIT zine / Portal”. Eu gostaria de começar a nossa entrevista te pedindo para contar-nos um pouco sobre você, e sobre o seu histórico como artista:

Noise: Olá Daniel, obrigado por convidar-me para esta entrevista! Meu nome é “NOISE”, sou músico por hobby e moro no sul da Alemanha. Eu procuro fazer música a cada segundo livre que eu tenho, além do meu trabalho, família e vida social. Sou um bebedor apaixonado de cerveja e adoro ir a festas e shows. Para ser honesto, não há muito histórico. Nunca tive aulas de música e não consigo ler uma nota sequer. Sou proprietário de um estúdio para projetos e aprendi sozinho a tocar guitarra, baixo, bateria, piano (não muito bem) e alguns instrumentos Folk e de Bluegrass. E eu tenho feito isso há algum tempo. (OBS.: Bluegrass é uma forma tradicional de música do Sul dos Estados Unidos, na qual utiliza-se, principalmente, de instrumentos acústicos como Banjo, Guitarra Acústica, Violão, Baixo acústico, dobro e violino).

Por favor, apresente seus dois projetos aos nossos leitores, o que os diferencia, e quais são seus principais objetivos conduzindo-os: 

Noise: Então, há o KANONENFIEBER e o LEIÞA. O KANONENFIEBER é um projeto de Blackened Death Metal, que é baseado em conteúdo histórico. O LEIÞA está mais para o lado progressivo do Black Metal e é um projeto muito pessoal. Suas letras contêm alguns dos meus maiores medos e problemas na vida. Portanto, eu diria que, em termos de tópicos e som, esses dois são 100% diferentes. Com o KANONENFIEBER, meu objetivo era ter essa parede de som moderna de metal melódico bem na cara, enquanto o LEIÞA é mais contido, e tem uma abordagem mais crua em termos de produção.  Para ser honesto, eu não tenho nenhum objetivo específico com a minha música. Eu só escrevo porque eu quero. Eu não tenho que viver disso, então não há pressão para mim. Se ninguém gostar, estou bem. Se isso ressoar bem com as pessoas, isso é super legal, mas não é o que eu quero alcançar. Faço isso porque gosto de música e quero compartilhar minha abordagem.

Em menos de dois anos, você iniciou dois projetos solo diversos e interessantes, e lançou com sucesso os discos de estúdio de estreia de ambos. Que tipo de força te motiva?

Noise: Sim, a ideia para o “Menschenmühle” do KANONENFIEBER um amigo meu e eu tivemos em setembro de 2020, e o LEIÞA começou logo depois o lançamento desse primeiro disco. Honestamente, eu já comecei a escrever o próximo álbum e tenho mais dois quase concluídos no meu computador. Outras pessoas assistem à Netflix ou trabalham em seus carros, jardins ou qualquer outra coisa. Eu só gosto de passar meu tempo em meu pequeno estúdio caseiro, plugar a  minha guitarra e começar a escrever músicas. É muito natural para mim. E, em comparação com muitas outras atividades de lazer, acho que tem muito mais valor.

Você esperava um lançamento tão bem-sucedido? Algumas versões do álbum esgotaram rapidamente, e o projeto foi apresentado recentemente em revistas importantes da Europa.

Noise: Eu não tinha a menor ideia do quão grande o KANONENFIEBER se tornaria. Fui carregado no YouTube e ele simplesmente explodiu. Não tive como atender a todos os pedidos. Selos, Revistas, Entrevistas, Resenhas, Merchandising. Havia tanta coisa chegando, que eu não sabia o que fazer. Nós criamos a “Noisebringer Records”, apenas para eu ter uma plataforma para poder lançar todas as minhas músicas. Começamos a gravadora um pouco antes do  KANONENFIEBER aparecer, e esse certamente foi o momento perfeito. Constituímos a gravadora e tentamos conseguir o máximo possível de contatos com os produtores de Merchandising. Em seguida, tentamos produzir o máximo de itens que podíamos, porque a demanda era enorme. E, por mais exaustivo que pudesse ser, eu queria fazer isso sozinho. Poderia ter aceitado algumas ofertas que eu recebi, de gravadoras muito conhecidas, mas decidi que a minha criação ficaria comigo. Foi o momento mais emocionante e estressante da minha vida, para configurar tudo isso, já que, além de tudo, eu trabalho em um emprego formal de 40 horas semanais. E sim, eu escrevi o “Sysiphus” do LEIÞA naquele período, o que também foi um alívio para mim.

“Menschenmühle” foi totalmente escrito com base em relatos verdadeiros e documentos relacionados à Primeira Guerra Mundial, como você teve acesso a esse material?

Noise: Um bom amigo meu é historiador amador, e ele coleciona cartas e histórias da Primeira Guerra Mundial. Com base no material que ele me forneceu, eu escrevi as letras de “Menschenmühle”. O nome KANONENFIEBER e o título do álbum “Menschenmühle”, bem como a arte da capa, foram ideias dele. Acho que grande parte do sucesso do KANONENFIEBER deve-se às ideias dele. Não tenho como agradecê-lo o suficiente!

Qual é a sua faixa favorita, ou faixas, do “Menschenmühle”?A minha é “Grabenkampf”, acho ela uma verdadeira potência.

Noise: Boa escolha! “Grabenkampf” tem esse gancho cheio de groove. Acho que é por isso que as pessoas gostam dela. É difícil pra mim dizer qual é a minha favorita, pois cada faixa tem o seu propósito. Se eu tivesse que decidir, seria “Der letzte Flug”. Mas, pra ser sincero, não consigo mais gostar de ouvir o álbum. Acho que já ouvi isso mil vezes enquanto gravava, mixava, masterizava, publicava e mais recentemente, ensaiava. Se eu saio com amigos e alguém coloca “Menschenmühle” pra tocar, eu peço imediatamente pra baixar o som. Eu não aguento mais (Risadas)…

Você tinha desenvolvido algum tipo de trabalho anteriormente voltado à Primeira Guerra Mundial? Quais eram os seus objetivos principais quando você decidiu criar o álbum?

Noise:Menschenmühle” foi a minha primeira jornada pela Primeira Guerra Mundial. O tópico “guerra” sempre foi interessante para mim. Eu li muitos livros, assisti a todos os filmes e, de fato, joguei jogos voltados ao tema no Playstation e de computador.  Meu amigo teve a ideia. Naquele dia, nós tomamos café e conversamos sobre metal. Falamos sobre como bandas como HAIL OF BULLETS, MINENWERFER e MARDUK, da forma como percebemos, que nunca houve um álbum de metal que mostrasse o lado obscuro da guerra. Há sempre essa glorificação e violência acontecendo, e então tivemos a ideia de fazer algo diferente. Histórias reais de pessoas reais. Ele me forneceu todo o material, e comecei a escrever. E, cara, foi um momento difícil. Já li livros, cartas, assisti aos filmes (novamente), e tudo em que eu pensei foi na guerra. E isso, ao longo de três meses consecutivos. Minha vida social sofreu um pouco com isso, porque eu não falava sobre mais nada além disso. O pensamento final para este álbum foi homenagear as pessoas que morreram na lama das trincheiras. Essas histórias e cartas eram aterrorizantes. Eram pessoas normais como você e eu, jogadas nesse mundo de violência e crueldade.

Você já tocou shows ao vivo até esse momento? Eu acredito que ambos os projetos seriam definitivamente interessantes de assistir. Você tem amigos músicos pra te apoiar ao vivo?

Noise: Ainda não, mas nós iremos! Em fevereiro de 2022 acontecerá o primeiro show ao vivo do KANONENFIEBER. Como você mencionou, perguntei a bons amigos meus se eles gostariam de apresentar a banda ao vivo comigo. Como esses caras são alguns dos amigos mais próximos que eu tenho, isso será muito foda! Nossos shows ao vivo serão muito especiais. Traremos a guerra conosco em todos os palcos onde tocarmos. Vamos gravar um show ao vivo no outono daquele ano. Então você poderá ver e ouvir o que eu quero dizer com a música. O LEIÞA não será tocado ao vivo. Esse projeto permanecerá no meu estúdio. Eu nem mesmo acho que seria capaz de realizar aquele trabalho de guitarras ao vivo. É muito técnico, e difícil de tocar em um ambiente ao vivo. Pelo menos pra mim (Gargalhadas).

Agora eu gostaria de te perguntar a respeito do nome LEIÞA. Você poderia nos explicar o significado e o conceito por trás do nome? Soa como Nórdico Arcaico, ou Islandês para mim… talvez  Alto Alemão Arcaico? 

Noise: LEIÞA significa doloroso em Germânico. A palavra alemã “Leid” deriva disso. Ela descreve esse projeto perfeitamente. É sobre sofrimento, desespero e busca por motivos para alguém não se suicidar. 

O que fez você criar um disco tão obscuro e sombrio como “Sisyphus” em primeiro lugar? Ele possui uma atmosfera terrivelmente desoladora.

Noise: Essa é exatamente a atmosfera que eu queria criar. Não sou uma pessoa muito positiva, ao menos por dentro. Sou muito sociável, gosto de festejar e sair com amigos. As pessoas ao meu redor (pelo menos eu acredito nisso) me acham muito divertido. Mas, por mais que tentemos  vestir essa máscara, a qual colocamos todas as manhãs, em algum momento a depressão e a tristeza são mais fortes do que a vontade de superá-las. É nesse momento que me sento, me isolo algumas horas por dia e escrevo músicas. Essa é a minha maneira de lidar com isso.

“Sisyphus” também é um disco muito emocional de Black Metal Ele possui dois personagens mitológicos poderosos, e diversas metáforas. Seríamos todos nós “Sisyphus” e“Prometheus” em relação às nossas batalhas pessoais internas?

Noise: Eu diria que sim. Acorde – Trabalhe – Durma – Repita. Em algum momento, umas férias de duas semanas, uma festinha nos finais de semana e é isso. A vida de Sísifo no seu auge. Carregue aquela pedra montanha acima repetidamente, e de novo e de novo… Mas o que podemos fazer, certo? Devemos viver dessa forma. Com relação ao Prometeu, eu poderia me relacionar com a parte em que ele entrega o fogo aos humanos e então é violentado e torturado por conta de seu ato de bondade. Uma frase da música diz “tire dos ricos, dê aos pobres, você está fazendo a escolha errada”, e foi exatamente isso que aconteceu comigo muitas vezes. Você tenta ser bom, mas as pessoas imediatamente tiram vantagem disso, e então você se arrepende na mesma hora.

Quais são as suas influências musicais mais importantes quando você está compondo a sua música?

Noise: Eu ouço muitos gêneros diferentes quando se trata de escrever meus próprios álbuns. Eu preciso entrar no clima correto. Para o “Sysiphus”, foi música clássica, de vanguarda e Death Metal Técnico como AD NAUSEAM e IMPERIAL TRIUMPHANT e, de fato, Black Metal. Acho que uma boa mistura de diferentes gêneros torna um álbum emocionante. Não sou aquele tipo de cara que quer tocar exatamente esse ou aquele tipo de música. Existe, por exemplo, o DISSECTION, e depois podem existir mais 200 DISSECTIONS. Mesmo agora, vinte e seis anos após o seu lançamento, bandas como o NINKHERSAG tentam copiar o som e até mesmo a estética do “Storm of the Light’s Bane” do DISSECTION. Quero dizer, adoro o último lançamento do NINKHERSAGS, mas será sempre uma cópia.

Você se vê como um metalhead? Você ouve metal e, em caso positivo, quais são os seus preferidos?

Noise: Claro que eu sou! Tem sido o meu gênero preferido desde os 12 anos de idade. Eu escuto quase todos os gêneros de Metal. Meu favorito é, e para sempre será, o Black Metal, de fato. Minhas bandas favoritas mudam com frequência, já que existem tantas bandas boas por aí. No momento, minhas bandas de Metal preferidas são BYTHOS, LOS MALES DEL MUNDO, WOLVES IN THE THRONE ROOM, SPECTRAL WOUND, THE RUINS OF BEVERAST, ANTLERS, SUFFERING HOUR, ASPHYX e DER WEG EINER FREIHEIT. Dito isso, não me limito a um gênero. Eu escuto quase tudo. Por que se limitar se existem tantos grandes artistas por aí?

Você vive em Bamberg, na Alemanha (na linda região da Bavária. Existe uma cena relevante de Metal por aí? Em caso positivo, você conhece as bandas e participa de alguma forma dessa cena?

Noise: Em Bamberg propriamente dito, não há muito acontecendo em termos de Metal, mas bem próximo à cidade há alguns festivais foda de Metal rolando! Já que o principal clube de Bamberg para shows de Metal fechou devido ao risco iminente de colapso, não há muito mais shows. Poucos dias antes de anunciarem o fechamento do clube, havia um grande show acontecendo lá. O proprietário relatou aos jornais que poderia ter entrado em colapso a qualquer momento. Felizmente, isso não aconteceu (risadas). Um pouco mais ao sul, em Munique, há muitos shows e clubes. Em geral, na Alemanha, temos muitos metalheads, basta olhar para todos esses festivais que acontecem!

Você conhece alguma banda Brasileira de Metal? Em caso positivo, quais são as suas preferidas?

Noise: Eu conheço KRISIUN, SARCÓFAGO e o SEPULTURA.  Gosto de cada um deles. Se eu tivesse que escolher um, seria o KRISIUN. Algumas das minhas músicas de Death Metal preferidas foram escritas por esses caras!

Como você vê o estado atual do mundo, há alguma esperança para a humanidade? Podemos acreditar em um mundo melhor para as gerações futuras?

Noise: Honestamente, acho que nós e especialmente as gerações diretamente anteriores, fodemos muito com este planeta. Se você olhar as fotos dos rios da Alemanha há 40 anos… Eles tinham as cores vermelho, verde e amarelo. Alguns deles brilhavam no escuro. A ilha de lixo no meio do Pacífico, o ozônio inteiro, o derretimento das geleias, e de fato, o derretimento das calotas polares. E o engraçado é que essa merda continua. Eu sou um pouco viajante, e se você vir países como a Índia e a China… eles estão sistematicamente poluindo os rios e oceanos. Portanto, pelo bem do planeta Terra, espero que a próximas gerações cuidem disso melhor. 

Podemos esperar ver a sua mente criativa gerando outros projetos no futuro próximo? Como você se vê em, por exemplo, cinco anos adiante? 

Noise: Como eu disse, há muita coisa acontecendo. Apenas alguns dias atrás, eu comecei o próximo álbum. Portanto, muitas coisas virão no futuro! Espero que em cinco anos eu possa viver da minha música, tenha um grande estúdio e possa trabalhar junto com muitas pessoas talentosas do mundo todo. Você precisa ter sonhos, certo?

“NOISE”, muito obrigado pelo seu tempo. Foi excelente tê-lo conosco. Nós do THE OLD COFFIN SPIRIT desejamos a você uma carreira de sucesso. Por favor, sinta-se à vontade para deixar uma mensagem a todos os leitores brasileiros que estão conhecendo o seu trabalho:

Noise: Você realmente investiu tempo na pesquisa, e eu agradeço por isso! Obrigado pelas perguntas e pelo seu tempo, foi um prazer! Por enquanto, não há mais promoção para os meus projetos. Só uma coisa que eu gostaria de dizer: A todos vocês, Metalheads Brasileiros: Pelo que tenho visto e ouvido, vocês são o público mais louco de todos os tempos. Vocês realmente conquistaram esse título! Espero poder desfrutar dessa energia em shows em algum momento da minha vida!  Continuem ouvindo Metal, e continuem apoiando o underground!

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