Entrevistas

HISSSARLION – “A hora do Dragão chegou… e que o diabo nos carregue!”

Em 2019 (E.V.) um novo capítulo é escrito no livro negro do horror. Do pântano tenebroso, HISSSARLION uma vez mais se ergue para desencadear sobre o mundo a sua mensagem ominosa. A música das esferas do inframundo se renova. Das profundezas do abismo invocamos o Fernando Atanazio “Hisssarlion” para uma conversa. Que os céus queimem para sempre!

Maléficas saudações meu amigo Fernando Atanazio! É um prazer tê-lo em nosso artefato. Você sempre manteve a chama negra acesa dentro do Underground. Nos fale um pouco mais desse seu novo projeto. Como nasceu o HISSARLION e o significado dessa alcunha? Porque resolveu seguir sozinho como uma “one man band”?

Fernando Atanazio: Saudações, Walter, meu irmão! É uma grande satisfação participar desta Maléfica Existência. Este projeto foi desencadeado em 2019, mas sua concepção foi muito anterior. Desde cedo eu senti um apelo irresistível para extravasar a criatividade de diversas maneiras. Poesia, desenho e música foram os principais veículos para este fluxo. Ainda nos anos 90 eu comecei a criar meus primeiros riffs. Era tudo muito simples e as fitas K7, assim como a minha memória, foram os receptáculos para estas melodias que, com o passar do tempo, se acumularam. No início dos anos 2000, já com o Nox Aderat, tive a oportunidade de ver alguns dos riffs transformados em músicas pelas mãos do meu habilidoso irmão Thiago “Aversvs”. Em 2019, após deixar a banda Luciferiano, resolvi trazer à tona o material que estava guardado nos baús da memória e, com as facilidades proporcionadas pela tecnologia atual, gravar as músicas da maneira que sempre quis. Resolvi fazer tudo sozinho, a princípio, para poder agir como eu quisesse, sem precisar justificar para outrem qualquer decisão e sem pressa. É claro que contei com a ajuda de grandes amigos na audição prévia das músicas (um agradecimento especial aos brothers Magrão, Batata, Mongo e Pagé), pois eu tinha pouca experiência com o processo de gravação e mixagem, e o auxílio deles foi fundamental. Quanto ao nome do projeto, após um pouco de reflexão e o descarte de algumas alternativas, resolvi adotar o meu próprio pseudônimo, escolhido lá nos anos 90. Considero esta banda algo primordialmente pessoal e, portanto, fazia todo sentido esta opção. A origem deste nome é curiosa: lembro que li em uma matéria que os integrantes do Rotting Christ se consideravam “répteis humanos amaldiçoados” e aquilo ficou em minha mente. A associação réptil / serpente / dragão / demônio era uma constante em meus pensamentos. No entanto, eu não queria utilizar um pseudônimo usual, pois na época os nomes de demônios estavam em voga e eu já tinha flagrado alguns casos de nomes repetidos. Outra linha relativamente comum, naquela época, eram os pseudônimos relacionados à ficção, como Shagrath, Baron Blood, Sauron etc. Como eu colecionava a revista A Espada Selvagem de Conan, coleção que ainda tenho comigo, resolvi procurar ali algo que me inspirasse. E foi na edição 103 que encontrei um personagem obscuro chamado Hisssarlion, um homem-serpente, sumo sacerdote do deus-serpente Set. O “s” triplo indicava a sibilância marcante na fala do personagem e, como ele foi morto na mesma edição, permaneceu desconhecido da maioria. Achei que esta foi a escolha ideal.

O ano de 2020 foi bem complicado para todos nós. O Brasil e o mundo vive um caos pela covid 19. Mas para você no início da pandemia foi bem produtivo né? Em Março /2020, você lançou o primeiro EP “Scorching The Heavens” e no mês seguinte foi a vez de outro EP “The Endless Strife”. Em tempos difíceis, confinamento, caos e pandemia, a sua  criatividade aflorou. De onde sai tanta inspiração e nos fala a respeito desses trabalhos em relação à produção, e os conceitos líricos por trás das letras e tu ficou contente com os resultados finais?

Fernando Atanazio: Sim, 2020 foi um ano, no mínimo, complicado. No entanto, o lançamento do primeiro EP apenas coincidiu com o início da pandemia, pois as músicas de ambos os EPs já vinham sendo gravadas desde Agosto de 2019. Ou, talvez, a peçonha tenha apenas se espalhado rápido demais e intoxicado o mundo inteiro… Logo que deixei a banda Luciferiano eu estava em um momento de efervescência criativa e resolvi aproveitar para desengavetar velhas ideias. Em conversa com meu frater Thiago “Aversvs”, fui apresentado às possibilidades da gravação em home studio e investi em alguns equipamentos para viabilizar esta empreitada. Foram semanas de pesquisa na internet para aprender o mínimo necessário e ainda mais tempo em tentativa e erro até que as coisas começassem a caminhar. A parte lírica foi infinitamente mais fácil, pois eu escrevo poesia desde 1991 e letras desde 1996, e isso é algo que sempre me fascinou. Como algumas das músicas já haviam sido compostas inspiradas por algum tema ou ideia, escrever as suas letras foi um processo mais natural. No entanto, isso ainda assim exigiu uma boa dose de pesquisa sobre cada tema escolhido. Busco inspiração nos mais variados lugares e é na concatenação das ideias que a mágica realmente acontece. Sim, posso dizer que fiquei satisfeito com os resultados finais. Apesar disso, sempre que ouço as gravações penso nas coisas que faria de maneira diferente. Acho que isso faz parte do processo. Mas é através dos feedbacks positivos que percebo que estou no rumo certo.

Porque você lançou esses dois artefatos primeiro nas plataformas digitais? Existe a possibilidade desses materiais serem lançados no formato físico? Aproveitando, nos diga qual é a sua visão em relação a essa nova forma de consumir música em streaming?

Fernando Atanazio: Optei pelo lançamento primeiramente no Bandcamp porque isto não envolveria gastos adicionais. Já tinha investido um bocado em equipamentos e não teria recursos para bancar uma prensagem naquele momento. Em seguida, disponibilizei vídeos no Youtube e, finalmente, o primeiro EP nas plataformas de streaming.Gostaria muito de lançar estes Eps em mídia física, sim, mas no momento preciso focar na preparação do primeiro disco, que pretendo lançar ainda neste semestre. Desta vez, o lançamento será simultâneo em CD e streaming. Bom, eu tenho muitos LPs, K7s e CDs aqui em casa e valorizo muito esses artefatos. Acho fantástico todo o ritual envolvido, as capas, encartes etc. Todo este material tem um valor que transcende o financeiro e traz grande satisfação – eu diria até que uma nostalgia. No entanto, atualmente, a maior parte da música que consumo é através das plataformas, do Youtube ou de arquivos em Mp3. A praticidade dos smartphones provocou esta mudança nos hábitos de consumo, mas sinto que perdemos algo com esta troca. De qualquer forma, é bom ver que os velhos formatos estão se fortalecendo uma vez mais.

Hisssarlion, executa uma música na linha do velho Black Metal dos anos 90. Eu notei influências dos gregos do Varathron, Necromantia e o velho Rotting Christ. E algumas  passagens que nos remetem também aos portugueses do Moonspell, na fase dos primeiros trabalhos como: Anno Satanae (1992) e Under the Moonspell de 1994. O que representa essas bandas para o Metalhead Fernando e são influências para ti na hora de compor hinos negros para o Hisssarlion?

Fernando Atanazio: Sim, me inspirei em todas estas bandas e diversas outras. Desde que comecei a ouvir Black Metal, no início dos anos 90, tive uma forte predileção pelo som que estas bandas faziam. As cadências, os climas macabros, as levadas mais lentas, o experimentalismo, tudo isso me inspirava, me parecia mais real e imensamente mais criativo e sombrio. Quando comecei a trabalhar nas minhas músicas, decidi que gostaria que elas fossem as músicas que eu gostaria de ouvir. Simples assim. Por exemplo, eu sempre gostei da sobreposição vocal presente no primeiro disco do Necromass, por que não utilizar este recurso nas minhas músicas?

Outra coisa. Pelo release da banda, letras e climas obscuros é perceptível que a banda tem uma relação com o ocultismo. Gostaria de saber de você o que o Black Metal, ocultismo e satanismo representam em sua vida? Você se aprofunda no conhecimento das antigas sabedorias?

Fernando Atanazio: Antes mesmo de ouvir metal eu já sentia uma atração pelo mórbido, pelo oculto, pelo diabólico. O pseudônimo que eu utilizava em minhas artes visuais naquela época era “The Devil”, isso antes de ouvir qualquer coisa relacionada ao metal. Temas ligados ao macabro me fascinavam, embora eu não soubesse o motivo. Meu primeiro contato com o metal foi através das bandas de thrash e death metal, como Sepultura, Slayer, Deicide e Morbid Angel, por exemplo. Eram bandas brutais, radicalmente diferentes de qualquer coisa que eu já tivesse ouvido e imediatamente apreciei aquilo tudo. Porém, foi apenas quando ouvi uma gravação do compacto do Amen Corner, nos idos de 1992, é que encontrei aquilo que eu sequer sabia que buscava. Mesmo em uma fita mal gravada, em um aparelho de som podre, aquela sonoridade me marcou profundamente. Daí, rapidamente mergulhei naquele abismo sinistro e fui cada vez mais fundo. Já a leitura sempre foi um hábito e um grande prazer para mim. Garimpar tesouros ocultos em sebos e copiar páginas e mais páginas em bibliotecas eram coisas comuns naquela época pré-internet. Ainda mantenho centenas de livros adquiridos com o passar dos anos, além de inúmeros artigos, revistas e impressões. Com o advento da internet, ficou muito mais fácil acessar o imenso cabedal de informações, seja qual for o tema. Temos todas as bibliotecas do mundo e mais na palma da mão.Quanto mais alguém se aprofunda em um assunto, mais propriedade esta pessoa terá para discorrer sobre aquele tema, porém, na maioria dos casos, perde-se a perspectiva externa e o conhecimento pode ficar embotado. Quando se amplia o horizonte, novas idéias afloram e os dogmas tendem a se fragmentar. Tenho, pode-se dizer, uma filosofia que muda conforme novos dados são acrescentados a ela. Esta metamorfose não significa, de forma alguma, uma fraqueza de propósitos, mas uma intensa aversão à fé cega e ao dogmatismo. A Serpente permanece enrolada em meu espírito e o viés de minhas crenças é sempre sombrio, mas não sigo religião alguma. Prefiro enxergar o mundo através dos olhos da Serpente.

Fernando, vamos falar um pouco do passado… Você está na cena desde os anos 90 e fez parte de algumas bandas históricas da cena extrema catarinense. Em 1996 você entrou na grandiosa ” By Disgrace Of God.”  Como foi a sua história com a banda? Chegou a gravar algum material físico com eles?

Fernando Atanazio: Sim, By Disgrace of God foi a primeira banda em que tive a oportunidade de atuar. Eu andava com aquela turma fazia algum tempo e, quando recebi o convite para integrar a banda, foi o máximo. A banda havia sido formada pouco mais de um ano antes como um trio e atuou em alguns shows excelentes em 1995. As composições do Mailon Bugmann eram magníficas e eles ainda tocavam covers brutais de ótimas bandas, como Rotting Christ e The Black. Então, veio a ideia de fundir a banda à joinvilense Virgo Sacrum, que manteria o nome pelo fato de ter lançado a poderosa demo-tape “Tártaro” naquele mesmo ano. Mas a coisa toda não vingou e logo a banda se dissolveu. Pouco tempo depois, Fabiano “Disgrace” e Gérson “Osculum Infame” resolveram reformular a banda – foi quando eu entrei, no início de 1996. Tive autonomia total para reescrever todas as letras e reencaixar os vocais conforme eu quis, o que foi excitante, apesar de desafiador. Fizemos ótimos shows, alguns marcantes, e a primeira demo-tape foi lançada em 1999, intitulada “By Disgrace of God”, contendo duas músicas. Uma curiosidade é que, na gravação da demo, eu tinha acabado de me tratar de uma laringite aguda, que tinha me deixado por duas semanas completamente afônico. Tive que conter bastante a minha voz, sob a ameaça de sofrer danos permanentes.

No início do século 21 você saiu da By Disgrace… e entrou no Accubitorium. Para mim essa formação do Accubitorium era matadora. Até lembro que muitos blackmetallers chamavam vocês de “o Mortuary Drape Catarinense”. Como foi a sua passagem na banda e gravou algum material com eles? O que tu lembra daquela época, alguns shows ou histórias para compartilhar com os nossos leitores?

Fernando Atanazio:  Eu ainda integrava o By Disgrace, em 2001, quando tive a oportunidade de participar pela primeira vez do Accubitorium como backing vocal. Éramos todos muito amigos e estávamos sempre juntos. Quando o Accubitorium foi gravar sua primeira demo-tape, “Tumulus Magma”, no lendário Curupira Rock Club, em Guaramirim/SC, eu estava junto. As gravações começaram e, para minha grata surpresa, fui convidado para cantar junto com eles a música “Orgias Funebrárias”. Aquilo foi muito empolgante e, logo depois, em uma apresentação em Forquilhinhas/SC, também cantei com eles esta mesma música. Inclusive, foi neste show que nossa amiga Gisa subiu no palco e fez um inesperado strip-tease completo, causando o maior rebuliço no local e elevando a banda a outro patamar. A música que ela dançou foi por muito tempo chamada, entre nós, de “Orgisas Funebrárias”, por causa disso. Neste mesmo ano eu saí do By Disgrace of God e fui convidado a integrar oficialmente o Accubitorium, que se tornou a única banda com dois vocalistas, que eu me lembre, naquela época. Fizemos inúmeros shows e lançamos também uma demo ao vivo chamada “Cadaveris Viventis”. Tive a liberdade de reescrever a letra da música “Necromancia” e escrevi a letra da música “Necrovagina”. Foi uma das bandas mais colaborativas que já tive a oportunidade de integrar, onde todos escreviam letras, compunham e tinham o seu valor. Foi uma época fantástica. A banda era, de fato, fortemente influenciada pelos temas fúnebres. A alcunha fazia todo o sentido. Uma curiosidade: o nome da banda Accubitorium, bem como o pseudônimo do vocalista Nairon, “Umbriferum”, foram retirados de um dicionário de latim que ainda tenho em minha biblioteca. Foram selecionadas algumas opções e a banda optou pelo nome mais apropriado. Naquela época eu ainda nem imaginava que um dia tocaria com eles.

Em 2002, o Accubitorium estava no auge e você junto com o Thiago Aversvs (g) atual The Black Spade de São Paulo e o Gérson” Osculum obscenum”  (baterista ex- Amen Corner. Gravou o clássico “Darken in Quir Haresete”) resolveram montar um projeto novo e dessa união de almas adoradoras da noite surgiu o Nox Aderat. Vocês chegaram a gravar um material né? (infelizmente não peguei na época) Como foi a repercussão desse artefato na cena? Existe a possibilidade dessa banda retornar em um futuro próximo?

Fernando Atanazio: Eu e o Gérson “Osculum Infame” sempre cogitavamos de voltar a tocar juntos, desde a época em que ele saiu da By Disgrace of God, no início de 1997. Quando o Thiago “Aversvs” se uniu a nós, o círculo se fechou. O nome escolhido, Nox Aderat, foi retirado de uma letra do By Disgrace of God e a nossa primeira música foi, na verdade, uma composição que “Aversvs” havia originalmente feito para o Accubitorium, e que foi recusada  pois destoou do estilo da banda. Esta música se tornou a excelente “Stern-faced Temptation”. Cara, essa foi a banda mais foda que tive a oportunidade de integrar. Eu escrevia as letras, mas todos os integrantes compunham as músicas, algumas coletivamente, outras não. Fizemos diversos shows memoráveis e tocamos em grandes eventos, com várias bandas estrangeiras. Porém, estávamos tão empenhados em tocar e criar, que descuidamos com as gravações. Lançamos somente uma demo em 2004 e um single em 2005. A divulgação foi pequena e foram feitas poucas cópias de cada. Em 2008, enquanto estávamos em estúdio gravando uma nova demo, a banda se dissolveu. Eu e “Osculum Infame” ainda conversamos eventualmente sobre um possível retorno, mas o momento propício ainda não chegou.

Nos conte como foi a sua passagem pelas bandas Oculto de Jaraguá do Sul e o Luciferiano de São F. Do Sul (SC)?

Fernando Atanazio: Em 2012, quando eu já morava em Guaramirim/SC, fui convidado para integrar a banda Oculto. Tive liberdade para escrever letras novas e refazer todas as linhas vocais. Foi uma experiência ótima. Resolvi escrever de uma forma mais intensa e contundente, e a recepção foi excelente. Em 2013 lançamos a demo “666”, um artefato que é um ataque brutal contra o Cristianismo. Em 2015, enquanto eu ainda tocava no Oculto, fui convidado para participar da celebração dos 15 anos da banda Luciferiano. Naquela ocasião, diversos vocalistas foram convidados para participar, cada um cantando uma música da banda (a minha foi “Irmão da Noite”). Foi um evento memorável. No final de 2015, quando eu já havia deixado a banda Oculto, fui convidado a integrar o Luciferiano. Assumi a função de escrever as letras para as novas músicas e foi uma experiência muito interessante, pois as músicas têm uma pegada diferente, mais influenciadas pelo heavy metal. Lançamos duas músicas, em 2016, que deveriam ter saído como um EP, cuja arte para a capa até cheguei a produzir – eram porcos chafurdando na lama à sombra de uma cruz. Vou te mandar a imagem para que a conheças. As músicas foram lançadas somente no Youtube, e podem ser apreciadas em meu canal, Hisssarlion (https://www.youtube.com/channel/UCaDK7SnI2TZZme1A8p3pygQ). Além disso, lançamos uma advanced track chamada “Esmegmática Teofania”, em 2019, cujo lyric video também pode ser visto em meu canal.

Meu amigo, você é um guerreiro do Black Metal catarinense/brasileiro desde os anos 90. Como você vê o atual cenário dentro do estilo Black Metal daquela época e até os dias atuais?

Fernando Atanazio: Walter, os anos 90 foram a época de ouro para nós. Havia toda aquela aura de segredo, obscuridade, magia e radicalismo. O Black Metal é um estilo peculiar, que agrupa sob esta denominação bandas de diversas sonoridades. O que as une é a temática, sempre focada nas trevas, no oculto, no místico. O Brasil produziu pérolas impressionantes neste gênero e o estado de Santa Catarina também fez parte desta época mágica. Bandas sensacionais surgiram e desapareceram por aqui, algumas com vagos registros, outras sem nem mesmo isso. Para ilustrar este ponto, em 1997, eu (vocal e letras), David Borba (baixo) e os irmãos Sérgio e Célio (guitarra e bateria), montamos em Rio do Sul/SC uma banda que foi chamada Uf dem Unger. As músicas eram muito boas, mas a banda acabou no ano seguinte, e seu único registro é uma gravação de ensaio. No entanto, uma de suas músicas, “Non Omnis Moriar”, foi posteriormente tocada pela banda By Disgrace of God. Informalmente, nos ensaios do By Disgrace, dizíamos que iríamos tocar a música “de Rio do” (Sul). Recentemente, a banda Goatpenis gravou esta mesma música sob o nome R.I.O.D.O., porém os créditos se perderam. Com relação ao cenário Black Metal, fatidicamente, a mudança é algo inexorável. Do clima de oculto, proibido, misterioso, pouco restou. A internet desfez o secretismo e tornou tudo infinitamente visível. Na época, trocávamos cartas com gravações, muitas vezes solicitando para que o material não fosse divulgado. Hoje, a superexposição é praticamente uma qualidade. Os eventos no estilo, naquela época, eram pouquíssimos (um ou dois por ano) e reuniam os apreciadores como uma grande irmandade. Recentemente, ainda na era pré-pandemia, os eventos eram tantos que chegavam até mesmo a conflitar as datas. Porém, certas coisas não mudam. Bandas criativas e bandas ruins sempre existiram, seja naquela época como agora. Há indivíduos que já agiam no underground naquela época e que perseveram até hoje, enquanto outros tantos ficaram pelo caminho. Novos guerreiros e guerreiras ergueram-se com o passar dos anos e somente a peneira do tempo revelará os que permanecerão. E pessoas falsas, posers e modistas existiam outrora e também existem agora.           

Eu sei que todos nós já estamos cansados dessa merda toda de esquerda, direita.  Foda-se Bolsonarismo e Lulismo. Mas é preciso falar desse tema. O que você acha de “metaleiros” (porque não vejo como Metalheads ou Blackmetallers verdadeiros) que apoiam governos evangélicos? Você acha que o Black metal mistura-se com política ou não?

Fernando Atanazio: Sim, esse assunto já provocou bastante polêmica. Até pouco antes da última campanha para eleição presidencial, pouco se falava sobre política. Direita, esquerda, centro, tudo isso não passava de nomenclatura ininteligível para a maioria e era relegada ao ostracismo. Política nada mais era que uma grande chatice e “coisa de corrupto”. De repente, da noite para o dia, a população de nosso país ficou “altamente politizada” e com um radicalismo que só rivaliza com o fervor religioso. Curioso…Nosso país, apesar de ter como religião oficial o Cristianismo, é um estado laico. Quando um político é cristão, vejo isso como algo natural, dada a grande parcela da população que o é. O problema, a meu ver, é quando o candidato é fervoroso e coloca seu credo religioso acima da esfera pessoal, utilizando isto como uma bandeira ou uma divisa. Alguém que está envolvido na cena Black Metal, dado o caráter intrínseco de sua característica principal, deveria, em tese, repudiar este candidato, pois seu fervor religioso colide diretamente com os princípios de nossa ideologia basilar. Qualquer atitude contrária a esta é um paradoxo. Política e Black Metal se misturam, mas é algo pontual e pouco comum, e quase sempre gera polêmica. Há diversas bandas que professam doutrinas políticas em suas letras, especialmente o nazismo. A polêmica e o Black Metal nunca estão muito distantes. Um exemplo disso é bem recente, quando Varg Vikernes, do Burzum, expressou suas ideias eugênicas e seu desprezo aos que considera inferior (neste caso, os brasileiros). Prontamente houve um movimento de repúdio ao cara. Ora, ele sempre proferiu este tipo de ideologia. O problema é sempre o mesmo: quando alguém defende algum ideal de supremacia, todos que o compartilham querem se sentir iguais; quando a incompatibilidade vem à tona, os cotovelos doem e a revolta se manifesta. O que falta, muitas vezes, é a simples reflexão. Pensar é algo que não custa nada e pode evitar muita dor de cabeça. Eu, particularmente, acho essa mistura um grande nonsense e prefiro manter política e Black Metal muito bem separados.

Quais os planos futuros para a banda? Existe a possibilidade de você chamar alguns músicos e tocar ao vivo com o Hisssarlion depois que essa pandemia passar?

Fernando Atanazio: Bom, de imediato, estou trabalhando para lançar o primeiro full length ainda no primeiro semestre de 2021. Gostaria de ter feito isto no segundo semestre do ano passado, mas não consegui. Há muito trabalho a fazer. Estou finalizando as músicas, mas ainda preciso criar e produzir toda a arte e a parte gráfica. No entanto, é uma grande satisfação fazer as coisas acontecerem.  Já vou adiantar aqui, em primeira mão, que o título do álbum será “The Serpent’s Lament” e foi escolhido como uma homenagem à grandiosa banda Argentum, do México, uma de minhas bandas favoritas de todos os tempos. A possibilidade de tocar ao vivo existe, embora seja remota. Desde o lançamento do primeiro EP diversos irmãos mostraram interesse em somar forças, porém, como te falei no início, este projeto é algo bastante pessoal. Prefiro deixar esta porta entreaberta, mas o foco é definitivamente outro.

Para finalizar gostaria de saber de você o que representa para você…

Black Metal norueguês?

Fernando Atanazio: O Black Metal norueguês foi a vertente que escancarou a coisa toda e trouxe um gigantesco holofote para este estilo. A queima das igrejas, os assassinatos e toda a polêmica provocou o mundo. Aprecio muito diversas bandas daquela cena, ou diversos discos de bandas de lá, mas também acho que houve uma supervalorização da coisa toda.

Black Metal Helênico?

Fernando Atanazio: O Black Metal helênico é o que me enfeitiçou, de fato. Sou até suspeito para falar disso. Desde o início, sempre defendi a minha predileção por esta vertente. Quem me conhece, sabe. Ali houve uma abundância tão grande de inspiração musical e lírica, e fui tão intensamente irradiado por aquilo tudo, que sinto uma gigantesca influência em minhas próprias composições. E o melhor é que muitas bandas daquela época continuam lançando músicas com a mesma pegada de antigamente, e outras tantas bandas novas perpetuam aquela tradição.

Mayhem ou Varathron?

Fernando Atanazio: Varathron, sem sombra de dúvida.

Fernando encerramos por aqui. Quero agradecer pelo tempo e apoio. Glórias e vitórias a ti e ao Hisssarlion. Que a bruxa nos guie quando os céus estiverem queimando que a luta é sem fim. Mande sua mensagem final para nossos leitores.

Fernando Atanazio: Walter, obrigado pelo espaço em teu zine, meu irmão! Teu trabalho é fundamental para a perpetuação do underground e tua dedicação é magistral. É uma honra participar destas páginas maléficas.Aos demônios e demonesas que nos leem, lembrem-se de que a peçonha da Serpente já foi inoculada, mas que cabe a cada um romper os próprios grilhões. A hora do Dragão chegou… e que o diabo nos carregue!

(A entrevista acima foi originalmente publicada no fanzine Malêfica Existência e cedida ao The Old Coffin Spirit portal pelo colaborador Walter Backus.)

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