Nos longínquos fins dos anos 80 o metal mundial passava por uma metamorfose. Aquela fase ingênua da cena já vivia os seus últimos suspiros, agravados em muito pelo surgimento e lançamento de bandas malditas como o POSSESSED, DEATH, BATHORY, HELLHAMMER/CELTIC FROST, entre outras. Aquela inocência musical deu lugar a uma construção musical que exalava maldade, complexidade e podridão em níveis avassaladores. O metal nunca mais seria o mesmo depois dessa fase. Foi na pequena Goes, cidade da região de Zeeland, na Holanda que um grupo de moleques (realidade de 100 em cada 100 bandas que surgiam aos milhares mundo afora) resolveu se unir e seguir o caminho musical trilhado por monstros como o Possessed e o Death, mas musicalmente a banda conseguia criar um caminho próprio, que juntamente com suas influências foi moldando um death metal que pegou a cena europeia de assalto, naqueles anos de 1989 e 1990, anos em que foram lançadas as suas duas demo tapes oficiais.
“Tangled in Gore” veio primeiro e apresentou ao mundo um dos mais cavernosos vocais do death metal até então. Faixas como “Decomposed” (eu ouvia tanto isso naquela época que fundei minha primeira banda com esse nome, em 1991) e seus riffs pegajosos e mortais, “Putrid Stench of Human Remains”,“Gorefest” e a faixa título “Tangled in Gore” tiveram um impacto tão grande na cena que rapidamente a banda alcançou um status de lenda dentro do underground europeu e para vários death metal maniacs pelo mundo afora (eu inclusive). A qualidade do death metal da banda era realmente incrível e algo até mesmo um pouco à frente do que vinha sendo feito na época, ainda que estejamos falando de um período em que demo tapes clássicas estivessem sendo lançadas mundo afora.
No ano seguinte a banda não dormiu no ponto e lançou outro trabalho que chutou bundas por onde foi ouvido. “Horrors of a Retarded Mind” colocou o vocal em um outro nível de imundície e deixou o som da banda ainda mais denso e pesado. Musicalmente não houve tanta mudança. A banda conseguiu evoluir dentro de sua própria proposta e entregou ao mundo um petardo que hoje coloco na lista das grandes demo tapes do estilo. “Confessions of a Serial Killer” é um clássico do death metal do início dos anos 90. A banda em nenhum momento precisava tocar à velocidade da luz e sua qualidade se pautava exatamente nisso, que juntamente com a quantidade absurda de riffs fudidos criava um som incrível. “Loss of Flesh” trazia pura podridão e death metal tradicional que hoje chamaríamos de “old school”, só que em 1990 era o que de mais “avantgarde” existia. “Horrors of a Retarded Mind” trazia um imenso peso, andamentos mais cadenciados e arrastados e é uma puta música. A última faixa dessa demo tape é a sorumbática “Foetal Carnage”, uma ode sombria à desesperança. É uma música que hoje em dia poderíamos colocar um “rótulo” de ser quase death/doom. Mas sinceramente isso era apenas death metal, com o padrão de qualidade que esses caras imprimiram às suas duas demo tapes.
Como um velho e viciado tape trader receber essas duas demo tapes foi uma daquelas experiências que só quem viveu aqueles tempos tem ideia de como foi. Tudo era novo, tudo era uma descoberta e a excitação de ouvir mais e mais e cada vez mais bandas do subterrâneo pelo mundo era algo que estava no meu sangue. A influência que o GOREFEST enquanto banda teve na minha própria trajetória como músico dentro do estilo não tem como ser mensurado. Lembro de sempre nos ensaios dos primórdios do Decomposed brincarmos de tirar as faixas “Decomposed” e “Tangled in Gore” e até hoje não entendo porque diabos nunca tiramos essas músicas inteiras e tocamos ao vivo. Hahahaha Coisas de moleques apenas fazendo música, tomando cerveja e criando death metal como se isso fosse a única coisa que fazia sentido em nossas vidas. Obviamente um mundo de distância existia entre a quente Recife e a fria Holanda, mas uma coisa uniu esses dois grupos de “moleques”: o death metal. E o GOREFEST teve sua parcela de culpa na divulgação desse estilo.
Ouça essas duas obras de arte do death metal mundial: