Entrevistas

SOULSAD – O doom metal nacional em sua manifestação pura e verdadeira

Fomos conversar com Rafael Sade, um dos grandes batalhadores da cena Doom Metal no país e também o mentor da banda SOULSAD. A banda vem há anos trabalhando de forma séria em um estilo que ainda não tem o seu merecido espaço na cena brasileira, mas que vem crescendo, amadurecendo e é em grupos como o próprio SOULSAD que esse processo pode ser conferido… Apreciem esse longo bate papo…

Agradecemos a sua participação e seu  tempo cedido em bater um papo conosco. Seja bem vindo ao The Old Coffin Spirit Zine & Portal. Para iniciarmos, nos diga como você começou ouvir Rock/Metal e quais bandas te chamaram atenção na época ?

Rafael Sade:  Saudações leitores do The Old Coffin Spirit Zine & Portal,  agradeço ao espaço cedido. Comecei ouvindo metal desde muito cedo, por influência do meu irmão mais velho. Cresci numa época que os video clipes estavam em alta, então desde os 4 anos de idade já assistia a clipes de bandas nacionais e internacionais

 E quando você descobriu o Doom Metal/ Death Metal e o  som extremo ? O  que mudou em sua vida depois ?

Rafael Sade:  Nessa mesma época já tinha contato com clipes de metal: do Iron Maiden, Metallica, Ramones, Slayer, entre outros artistas da linha pop. E tudo se intensificou mais tarde com o Furia Metal, e um dos meus clipes favoritos era a Black Winter Day, do Amorphis. Sempre cito essa música porque foi um dos propulsores para que eu tivesse interesse em aprender teclado. E em seguida consegui um cd do My Dying Bride e um do Silent Cry, e foram os principais responsáveis de virar a chave e me incluir no mundo musical.

Olha que interessante cara, eu também !  Os meus primeiros acessos ao Doom Metal foram através do Silent Cry, com a clássica Demo Tape “Tears of Serenity” (1997) e com o My Dying Bride, com a obra prima “Turn Loose Of The Swans” (1993). Na sua opinião qual o melhor lançamento  dentro da cena? E que banda nacional essencial que um apreciador das sinfonias tristes do  Doom Metal têm que ter em sua coleção ?

Rafael Sade:  É difícil apontar qual o melhor lançamento, em meio a tantos recentes e clássicos. Eu sou um ouvinte assíduo do álbum Songs of Moors & Misty Fields, dos alemães do Empyrium. Do Álbum Locus Horrendus, dos portugueses do Desire e do álbum Memorandum, dos alemães do Lacrimas Profundere. São 3 clássicos que escuto a minha vida inteira, só pra citar alguns. Em meio a tantos talentos nacionais, um que aprecio de verdade são os paranaenses do Lachrimatory, que infelizmente já encerraram atividades. Os baianos do The Cross estão em alto nível atualmente, e para  o lado mais heavy, os paulistas  Unholy Outlaw que  fazem um trabalho muito bom também.

Agora Rafael, apresente a sua  banda Soulsad e gostaríamos de saber sua opinião sobre o último álbum da banda lançado “Doomed To Funerals”.(2022) Como os fãs reagiram ao lançamento?  Você está totalmente satisfeito com o som e a  produção deste trabalho ?

Rafael Sade:  A compilação “Doomed to Funerals” serviu para juntar num lugar só e em formato físico todos os lançamentos oficiais que a Soulsad lançou desde seu retorno, em 2018 apenas em mídia digital: EP, singles e a contribuição para o tributo brasileiro a banda britânica My Dying Bride

 Então, poderia nos dizer como surgiu o convite para participar do tributo brasileiro ao My Dying Bride e por quê   escolheram a música “Dreadful Hours”? Você ficou satisfeito com a participação da Soulsad neste tributo ?

Rafael Sade:  A participação surgiu como um convite, já que estávamos gravando o single “Doomed to Failure”. Seriam várias bandas nacionais, 3 CDs ao todo com 30 bandas. O idealizador foi trocado, e enxugaram as bandas, e das que restaram nós estávamos presente. A música “Dreadful Hours” foi escolhida por conta que em meados de 2007 tocávamos ela, mas similar a versão original. Após o convite, pensei  nessa música, mas de uma forma um pouco mais agressiva e com a proposta similar apresentada pelo Soulsad em suas músicas autorais. Ficamos muito satisfeitos com o resultado, e pensamos em tocá-la ao vivo num futuro próximo

Aliás, nos dias atuais com o acesso mais acessível ao metal em plataformas digitais de músicas, certos lançamentos meio que perderam o sentido, por  exemplo, coletâneas com várias bandas do submundo para ajudar a divulgar essas bandas mais obscuras aos metalheads, selos e imprensa especializadas; tributos com várias bandas gravando sua homenagem para  um artista ou banda que o músico admira ou tem influências. Mas nesse tributo brasileiro para os inglesês só têm bandas matadoras, e, na minha  opinião, com versões exuberantes. Bandas como : The Cross, Ode Insone, Volkmort e tantas outras. Tem alguma banda que você escutou no tributo, que chamou sua atenção em suas versões ?

Rafael Sade:  Contempty, Mortiferik e Agony Voices fizeram versões muito legais também. Mas é difícil escolher bandas em meio a tantas versões com qualidade acima da média. Acredito que esse tributo deveria ser mais valorizado do que  realmente foi.

Rafael, você está há muito tempo na cena underground e também participou  de outra banda muito importante no submundo brasileiro. Poderia nos contar mais sobre  sua história com essa banda ?

Rafael Sade:  Na verdade, eu tive duas passagens pelo Helllight, de 2004 a 2007, na qual eu gravei os teclados do primeiro álbum “In Memory of old spirits”, de 2005. E depois de 2013 a 2017, quando eu gravei o quinto álbum “Journey to the endless stoms”, de 2015.  Foram passagens muito boas e contribuí com o que eu pude, e me ajudaram a ter  experiência pra eu poder tocar meus projetos futuros

Como você mesmo disse, e eu também penso igual a você, esse tributo deveria ser mais valorizado. Mas a cena doom metal no Brasil de certa forma é o underground, do underground. Saiu em CD físico o tributo  ou ficou só nas plataformas de streaming? Gostaria de saber sua opinião, porquê o doom metal no Brasil tem pouca atenção dos metalheads ?

Rafael Sade: Saiu apenas em streaming, a pedido do My Dying Bride, para que não houvesse comercialização e evitar problemas com os selos antigos da banda que detém esses direitos. E as camisetas oficiais só foram distribuídas para os músicos participantes dessa coletânea

Você foi um dos primeiros guerreiros a levantar uma bandeira e espalhar as sinfonias fúnebres no underground nacional, e  a criar um canal no YouTube, totalmente voltado ao doom metal. De onde veio essa ideia ? Como anda o canal ?

Rafael Sade:  Eu sou formado em rádio/TV , mas exerci pouco na área. O que aprendi eu apliquei nos clipes que produzi do Soulsad, e no canal do programa Last News, da Last Time Produções. A ideia foi por conta da falta de vídeos que falassem sobre a cena nacional, com qualidade. Entre programas, coberturas e entrevistas, acho que chegam a 100 vídeos pra menos ou mais . No momento, o canal está totalmente em off. As mesmas pessoas entusiasmadas com a ideia antes são as pessoas desinteressadas de hoje, então mesmo com a renovação fica difícil manter algo que só possui apoio com um “valeu” e um tapinha nas costas. Foram 5 anos e praticamente acabou com o fest online onde reuniu várias bandas e integrantes da cena que participaram ao longo dos anos. O programa nunca cobrou para que as bandas aparececem.

E o doom metal hoje em dia continua sendo o underground do underground. Mas está um pouco melhor que nos anos 90.  Existem canais no YouTube, produtores, festivais e até selo especializado ao estilo ( Eclipsys Lunarys) e alguns Zines ( Armagedoom, Mors  Venit, e Sabotage que, além de focar no doom, também abre espaço para o stoner) fazendo um bom trabalho. O que você acha que falta para o estilo dar um passo adiante e ser mais respeitado e conhecido dentro da cena brasileira ?

Rafael Sade:  Depois de alguns fests que fiz com a minha Last Time Produções, na qual fizemos eventos exclusivos de doom metal, acho que é exatamente esse o problema. Festivais fechados apenas do estilo geram preconceito com quem fica de fora, era e é muito classificado como gótico ou similar ao gótico, sendo que a mescla é em algumas ocasiões. É totalmente o oposto, tendo sua proximidade muito mais com o metal extremo. Festivais mesclados com a inclusão de bandas de doom metal dariam muito mais chance de mostrar o estilo e acabar com o preconceito que existe no próprio meio metal, e que gera a dificuldade da incursão de novos adeptos

Como já comentamos aqui, você está há muito tempo inserido dentro do submundo e defendendo a suprema arte lúgubre e o arrastar das correntes, em cemitérios frios e escuros. O que você acha dessas novas vertentes, com uma pegada mais moderna, mas com características que o Black Sabbath fez lá nos anos 70, com aquela pegada lisérgica e psicodélica, que chamamos de “stoner doom”? Algumas bandas te chamaram atenção na cena nacional e gringa e que você pode indicar aos nossos cultuadores das sinfonias tristes?

Rafael Sade:  Acho essa vertente mais vintage muito interessante. Aliás, já fui em shows, produzi eventos e falei sobre as mesmas em alguns programas do Last News. O Stoner Doom resgata uma fórmula antiga e batida de uma forma revigorante e muito interessante. De bandas nacionais, cito os mineiros da Pesta e os paulistas da Dirty Grave como um dos principais, ao lado de outras excelentes como Son of a Witch (RN) e Witching Altar (DF), que aliás, soltaram EP novo. Internacional, posso citar o Vintage Caravan (FIN) e o Stoned Jesus (SCO)

Rafael, vamos falar um pouco desse lançamento que é uma compilação de todos os materiais lançados pela Soulsad em um mesmo trabalho. “Doomed To Funerals” foi lançado originalmente em 2018, em formato digital, e com outra formação, certo?!  Neste novo lançamento feito pela Black Hearts Records você regravou as músicas ou não?

Rafael Sade:  Nesse novo lançamento teve apenas uma atualização nos remasters do EP de 2018 para todas as faixas estarem na mesma pegada das faixas lançadas posteriormente

Você é o único membro da banda ? Podemos dizer que a Soulsad é uma one man band ?  Nos fale mais sobre  os músicos, como funciona e como está a formação atualmente?

Rafael Sade:  Eu e o Marcelo Benicio (baixo) estamos juntos desde  2003. O Marcelo só esteve ausente no retorno do Soulsad em 2018, pois o produtor da época (Daviid Amorim) já tinha gravado todas as linhas de baixo para  o EP Two Funerals. Mas logo após isso, ele registrou os trabalhos seguintes

Doomed To Funerals tem quatro faixas já lançadas em plataformas digitais que são: My Fallen Garden, Funeral one: Father, Funeral two: Mother e Doomed Failure. Acompanho as letras que são belos poemas mórbidos e profundos. Em Funeral one: Father e Funeral two: Mother eu senti que você fala da perda de familiares e todo aquele ritual triste que, Infelizmente, todos nós vamos passar um dia, ou já passamos.  Essas músicas foram uma válvula de escape para você aceitar a perdoar, e seguir em frente ? Você poderia falar mais sobre essas letras?

Rafael Sade:  Doomed to Funerals possui ao todo 6 faixas, e mesmo com anos diferentes entre si, incluindo uma versão do MDB, todas têm relação direta e indiretamente com os acontecimentos do EP Two Funerals. Possuem versos e palavras que já ecoaram por muitos anos na minha mente e que serviram para compôr este opus

N.E : Rafael você é formado em piano clássico ? Te pergunto isso porquê tem umas partes de piano que são magníficas. Na faixa Funeral Two: Mother aquele final com piano é de tocar no fundo da alma.

Rafael Sade:  Pelo contrário, sou autodidata e nunca fiz uma aula. Inclusive o arranjo da maioria dos instrumentos das músicas são da minha autoria, na qual surgiram do teclado

Além dessas faixas que citamos e também já falamos  sobre a cover “The Dreadful Hours” dos ingleses do My Dying Bride, a última faixa é a  “Last Breathe”. Essa faixa foi gravada exclusivamente  para esse lançamento ? Quem é a vocalista Deborah Moraes ? Essa faixa até me fez lembrar da fase inicial do Anathema.

Rafael Sade:  Essa faixa estava guardada pra um álbum completo desde 2008. E pela oportunidade de lançar essa compilação, vi a oportunidade dessa música ganhar vida. Deborah Moraes é uma cantora paulistana que já passou por diversas bandas, e sua voz encaixou como uma luva. O violão clássico ficou a cargo do meu irmão Rey Malli, que é músico pop com mais de 20 anos de atividade

Outra coisa que precisamos citar aqui é a qualidade visual do cd. Um digipack em três partes, com todas as informações básicas, além de fotos e letras. A capa bem lúgubre  e que  tem tudo haver com as letras  e a sonoridade da banda. A arte foi feita pelo artista Josuel Oliveira. A ideia  veio dele ou você participou também dessa parte ?

Rafael Sade:  A arte externa é do nosso artista Josuel Oliveira, que já foi guitarrista por muitos anos da história do Soulsad. A ideia das artes veio por mim  Two Funerals, e em parceria com o Marcelo Benício na capa do EP Doomed to Failure. Quis mesclar tudo nessa compilação, ele usou a mágica dele e surgiu a capa e as cores do Doomed to Funerals.  A arte interna ficou a cargo do Paulo, dono do selo Black Hearts, da qual ficou muito bem feita também

Rafael, a produção também ficou muito boa.  Poderia falar um pouco mais sobre o processo todo em estúdio e quem foi o produtor ?

Rafael Sade:  Como é uma compilação, todas as músicas passaram por momentos distintos, inclusive em estúdios diferentes. O responsável pela edição de bateria dos singles e do cover do MDB foi o Alex Vorhees. E a bateria ficou a cargo da Letícia Figueiredo, que teve seu nome citado de forma errônea. O responsável por dar o toque final nas remasters foi o André Ataíde, do estúdio3, de Osasco

A Black Hearts Records está fazendo um trabalho muito bom na cena brasileira. Ótimos lançamentos! Com uma qualidade a nível gringo. É  diferente de outras gravadoras, Paulo investe  em bandas nacionais e que estejam na ativa. Muitos selos nacionais investem e  lançam material gringo e que tornaram – se clássicos. (Nada contra!) Você está satisfeito com o trabalho do selo com a banda ?

Rafael Sade:  A arte gráfica ficou melhor que imaginei, e o formato digipack foi opção do próprio Paulo. Ele divulga em seu site e seus meios de divulgação, além de trocas com outros selos do meio underground. Agora páginas, sites e revistas especializadas que possuem o material para release e divulgação (inclusive essa publicação aqui) receberam através de mim, gastei do meu bolso. Se o selo investisse um pouco mais nessa colocação, as tiragens  seriam concluídas de uma forma mais breve

Quais os planos futuros?

Rafael Sade:  Que ainda em 2023 começássemos a pré produção do full lenght. A previsão é um disco completo com 8 faixas inéditas. Já está tudo pré-estabelecido, então é concluir os músicos que irão tocar os instrumentos que faltam, e algumas participações especiais. E que seja concluído até o metade de 2024

Para finalizarmos essa entrevista, gostaria de saber de você Rafael, da trindade inglesa; My Dying Bride, Paradise Lost e Anathema, qual delas é sua banda preferida, e qual álbum é o melhor deles ? Abraço e palavras finais suas. Força – Sempre!!!

Rafael Sade:  Gosto de ambas as bandas, inclusive dos álbuns mais controversos. Nos dias de hoje eu me identifico mais com o Paradise Lost, apesar que uso muito a influência vocal do antigo Anathema e os timbres de guitarra dos primeiros MDB. Draconian Times é um clássico de quase 30 anos, mas também gosto muito do controverso Host.  Obrigado pelo espaço cedido, acho que é a entrevista mais completa que já participei e me fez refletir muita coisa que nunca tinha exposto. Um abraço a todos os leitores e colaboradores, saúde e força. Doom on!

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