Fomos trocar uma ideia com os insanos, maníacos e depravados da banda cearense de Black/Grind, Sade. E eles nos dão mais detalhes sobre a sua visão de culto à carne e ao caos.
Saudações nobre irmão Necrosadic é uma honra tê-los em nossas escritas subversivas. Seja bem-vindo, você e a grandiosa Sade. Para começarmos, por toda a atmosfera visual e lírica da banda, eu gostaria de saber se o “divino Marquês” foi o responsável pela nomenclatura dessa instituição que bate de frente com essa sociedade falsa e hipócrita. Se for sim, o que você acha de suas escritas e suas ideias ? E porque Sade ?
Necrosadic: Salve Walter e aos leitores do Old Coffin Spirit Zine, uma honra imensa em responder este zine. Marques de Sade é uma referência sim ao batismo de nossa horda, somos apaixonados por arte subversiva, e os contos do Marquês se enquadram muito bem na proposta que buscamos logo no início. Falar sobre Marquês de Sade é dar um tapa na cara da sociedade, tem todo um choque cultural por falar abertamente sobre sexo, erotismo e ideologias libertárias, algumas de suas obras fictícias/não fictícia, foram e são bem interessantes na hora de moldar a nossa estrutura lírica, mas não só Marquês, sempre fomos bem ligados a diversos intervenções contra-culturais, também ligadas a temáticas de horror, terror, niilismo e diversos. Voltando sobre Marquês, algumas de suas obras estão aí imortalizadas e de fácil acesso, e entre elas eu destacaria (Os 120 Dias de Sodoma, Contos Libertinos e A Filosofia na Alcova).
O Sade é uma banda de Fortaleza(CE), formada em meados do ano de 2010 por Depravator (Vocais), Necrosadic (Baixo) Dilacerator (Guitarra) e Sodomizer (Bateria) e que executa um som calcado no Black ao Goregrind. Os integrantes da banda já tinham experiência com outras bandas na cena, né? O que os motivou a montar a Sade e nesses 11 anos de luta no submundo vocês estão satisfeitos com suas conquistas até aqui ?
Necrosadic: Em 2010 em uma conversa com Depravator, ele me apresentou todo o embrião do Sade, já tinha um logo e toda estrutura lírica pronta, logo nos juntamos e começamos a compor o que seria nosso primeiro EP. Todos do Sade já vinham de outras bandas, e mesmo assim optamos em dar uma atenção especial ao que estava sendo desenvolvido ali, sabíamos que estávamos fazendo algo não só que diferenciava que vinha sendo produzido na nossa região, mas nosso lado entusiasta do underground também dizia que ali estávamos aplicando todas as nossas referências, fazendo da sonoridade algo bem distante do que fazíamos nas outras bandas que já tínhamos passado.
Em 2012 a banda lança o primeiro Demo- CD “The Gore Tantric Sadism” e confesso que quando tive acesso há esse fudido trabalho as fotos da contra capa já me chamaram a atenção. A banda usa um visual carregado com máscaras de gás, cintos de balas, rebites, couro e uma garota nua com máscaras de gás. Esse artefato é brutal, tosco e agressivo. O que ele representa para a banda ? Ele foi relançado na Argentina também, por qual selo e como foi o contato da banda com o selo argentino?
Necrosadic: Quando gravamos o “The Gore Tantric Sadism” resolvemos ter um cuidado não só com a sonoridade ser bem expressiva, mas também com tudo que envolvia nossa arte ou antiarte, então tivemos todo um cuidado em soar agressivo e incomodar. Houve uma repercussão na época, muitos contatos foram firmados e diversas alianças, eu não destaco o relançamento Argentino, apesar de ser de grande valia para gerar diversos intercâmbios que foi firmado dentro dos esgotos Sul-Americano, mas eu destaco o que foi feito no Brasil, lançamos através de um coletivo de selo uma tiragem de mil copias, e anos depois tivemos o prazer de relançar o EP em um formato visualmente mais interessante que foi em digipack, isso através de outro coletivo de grandes irmãos do underground nacional. Então acho que cumprimos bem o propósito que o EP tinha que fazer.
Já que estamos nesse assunto, eu vi umas fotos da banda ao vivo e visualmente o show do Sade me chamou atenção. Um casal nu e com muitas cenas de sadomasoquismo. Para quem não viu a banda ” live ” ainda, nos diz como é uma apresentação da banda e o que os metalheads podem esperar da banda em cima de um palco?
Necrosadic: O Sade não se apresenta com certa frequência, demoramos mesmo para se apresentar, vai além da falta de membros fixos, existe também um desinteresse de nossa parte que essas apresentações aconteçam com frequência, mas quando ocorre, ali com certeza tem que ter todo um impacto visual e uma mensagem também a ser passada. Manter esse culto é importante até pra nossa energia em palco, então se ocorrer uma nova apresentação, podem esperar de tudo.
Em 2018, a banda chega ao tão sonhado full Length “Culto à Carne e ao Caos” e vocês poderiam nos dizer os conceitos das letras, produção, por qual selo saiu e quem produziu a arte da capa?
Necrosadic: Todo objetivo alcançado no “Culto à carne e ao Caos” foi fruto de um período de composição onde tínhamos passado por uma mudança de formação, então ao entrar Alcoholicbutcher e Amok, foi iniciado todo o processo. Os conceitos das letras são as mesmas que já abordamos no nosso primeiro trabalho e , que vai além da literatura marginal de Marquês de Sade, niilismo, guerra e um pouco de “Schopenhauer” também.
A banda já está trabalhando no próximo artefato de caos e tortura. Ele sairá com o nome “Cosmos is a Great Torture Chamber.” Eu fiquei sabendo que sairá pelos selos Black hearts e Misantropic Records. Como vocês chegaram a essas parcerias e o que vocês esperam do trabalhos deles?
Necrosadic: Ressalto também que simultaneamente vai sair em versão tape pelo selo Death Voice Rec (RN). Nosso material já está todo pronto e deve ir pra fabrica ainda no próximo mês se tudo ocorrer como planejado. O contato com ambos os selos veio de forma natural, porque além de fazer sujeira sonora com o Sade, também somos seres que sempre estamos ali adquirindo material físico e antenado com o que tá sendo produzido no momento, então nessas negociações o contato surgiu e também foi firmado interesse de ambos para firmar essa parceria. Todos os selos envolvidos fazem trabalhos ímpares dentro desse nicho, então esperamos algo bem positivo em termos de divulgação e distribuição do Full.
No primeiro artefato “The Gore…” a banda executava um agressivo,brutal, caótico e destruidor gore/ grind. Já no full ” Culto á Carne…” a banda fez uma transição para o Black/grind. No novo trabalho a banda continuará nessa linha mais black/grind ou terá algumas mudanças sonoras?
Necrosadic: Ter um rótulo não é bem nossa preocupação, embora chega perto dessa linha sonora citada acima. No novo full a sonoridade está bem mais inclinada ao Black Death, mas mantendo a estrutura caótica e suja dos anteriores.
Eu gostaria de saber quais bandas influenciaram vocês para criar suas músicas caóticas, e se vocês conhecem as grandiosas bandas catarinenses : Osculum Obscenum e o Goatpenis ? Tu já ouviu o clássico “Body Hurting Art” ? E o que acha dessa obra do Black/grind ? E quais artefatos do Goatpenis tu mais aprecias ?
Necrosadic: Eu falo por mim, escuto variadas formas de intervenções musicais, intervenções sim, porque o que me atrai é aquilo que passa algum tipo de mensagem e que vai além do mais do mesmo. É difícil citar bandas que nos influenciam, mas a antiarte de bandas como o próprio Osculum Obscenum é sem dúvidas uma de nossas maiores influências no meio do metal extremo, toda sonoridade e a parte lírica contida em sua música foi fundamental até mesmo pra gente criar nossa estrutura, então sou suspeito para falar sobre “Body Hurting Art”. O meio do metal extremo sempre tenta colocar como clássicos apenas o que foi produzido na década de 80/90, muitas vezes não dando uma devida atenção em discos fantásticos produzidos após anos 2000, então após quase 20 anos de seu lançamento que o mesmo foi relançado em um formato tão merecedor que é o vinil 12 polegadas. O Goatpenis tem toda uma estrutura de guerra doentia, niilismo e anti-humanismo beirando ao absurdo, e que acaba soando interessante de certa forma, embora eu não seja um apreciador profundo do que eles fazem, eu admiro todo o contexto da arte, e quando se fala em des-humanização, embora pareça algo doentio romantizar um planeta desabitado, eu vejo esse como um futuro! O homem está cavando seu próprio abismo há séculos, sem respeito nenhum a natureza, ambição desenfreada sob territórios e fazendo do seu habitat um lugar horrível e angustiante para sobreviver, então fazendo uma reverência a banda citada é notável que existe uma determinada admiração, já que o fim se arrasta ao abismo, ele deve ser explorado de forma excitante! É inevitável não dizer que tive influências dessas bandas quando resolvi formar o SADE, por sinal são duas bandas que mesclam a sonoridade de Black/Death ao Grind… Osculum Obscenum criou verdadeiros hinos de sadomasoquismo em forma de música extrema, tenho contato frequente com Diego do Osculum, nos tornamos amigos, ele é uma criatura ímpar, o cara vive de verdade a arte que ele emanava no Osculum Obscenum. Já a temática do Goatpenis é uma aula de desprezo à humanidade. O que acho interessante que mesmo com todo reconhecimento, essas bandas se mantiveram no subterrâneo, e mesmo com toda oportunidade de virarem nomes mais relevantes, se mantendo longe de atitudes soberbas como estrelismo e ânsia de virar um “popstar” do Heavy Metal, como algumas bandas ou integrantes reagem ao conduzirem suas bandas.
Como já citado, vocês estão há muito tempo na cena com a Sade e há mais tempo ainda sendo Metalheads e com outros projetos no submundo (bandas/zine). Ou seja, vocês provavelmente trocaram muitas cartas. Vocês têm contatos com demônios aqui do Sul como: bandas, distros, zines ou mesmo Metalheads ? E o que tu acha da cena sulista ? Te pergunto isso porque tu é do Nordeste do país e muitos Metalheads do Norte/Nordeste do Brasil acha que aqui todo mundo é nazista/separatista etc e tal. E eu te garanto que não! (Mas sabemos que existe sim,mas dentro do verdadeiro subterrâneo é mínimo, muito mínimo).
Necrosadic: Levando em consideração que estamos aqui há uma década ou mais com o Sade em atividade, eu até concordo contigo. Falo por mim, comecei a me corresponder mais assiduamente com o underground quando passei a tocar ainda com a minha primeira horda, então como tudo funcionava no “faça você mesmo”, era assim que conseguíamos fazer e distribuir nossos materiais, muitos contatos foram alcançados e muitos outros perdidos com o passar do tempo. Não somos polarizados suficientes ao ponto de nos deixar contaminar e achar que não existem pessoas no qual merece um contato e até real interesse de amizade. Mantive e mantenho contato com pessoas excepcionais aí dentro dessa região, e muitos deles com um posicionamento político muito bem esclarecidos, e que andam a margem dessa merda que é ascensão da extrema direita no país. Neo-nazis não é algo mais exclusivo do Sul, aqui também tem esse tipo de doença mental, tivemos casos de pessoas próximas que migraram para esse tipo de pensamento e que não dá nem para comparar ao um quadrúpede, tendo em vista que o animal merece respeito, ao invés de um ser que se acha melhor que o outro por ter uma pele branca e se considerar de uma raça superior por isso. A real é, uma característica do ser humano é ser desprezível e ter atitudes desprezíveis, não importa se é do Sul ou do Nordeste, em todo canto tem “lixo humano”, eu prefiro valorizar o que é de bom de cada região, muitas das bandas que aprecio por sinal são oriundas do Sul, e eu não posso agir como um separatista e simplesmente desprezar as bandas de uma determinada região, me baseando por linha imaginária criada por nós. O mundo tem mudado de conceitos, por mais que esse país esteja flertando com ideias de extrema direita, a história conta bem o que acontece com quem flerta com nazismo, a Alemanha está aí para ensinar isso, por sinal os Alemães tem vergonha desse passado, e infelizmente ainda temos nazis tupiniquins querendo reviver essas ideias em um país onde tem como característica uma população de várias etnias.
Há quase dois anos estamos vivendo um caos pandêmico no mundo e aqui no Brasil. Aqui na “república das bananas” as situações são bem piores e já chegamos a 600 mil mortes. Entre essas mortes no Brasil há muitos guerreiros do Underground e entre eles o Evandro “Sabaoth” do Goatpenis. Nós sabemos que tudo que envolve o Goatpenis gera discussões e muitas pessoas atacando e muitos outros defendendo. Mas é fato que gostando ou não da banda, eles levaram para o mundo todo a música extrema do Brasil e de Santa Catarina. O que você pensa dessa perda para a cena extrema nacional e mundial ?
Faço questão que Depravator responda essa pergunta.
Depravator – Evandro era um cara muito ativo no cenário underground, uma mente criativa e inquieta, isso era nítido pela quantidade de discos e bons álbuns que a banda lançou, e evolução musical que a banda conseguiu atingir. Conheci a banda antes dessa ascensão que os mesmos tiveram nesses últimos anos, coleciono itens da banda, e tenho verdadeiro fascínio pela temática que a banda abordou no álbum “Inhumanization”, considero um clássico mundial. Evandro foi sucumbindo pela sua não existência, menos um humano nesse planeta, temática que tanto abordava no Goatpenis. resta ouvir os discos de forma repetitiva agora, até ser sucumbido também pela morte.
Eu sei que você, Necrosadic, está envolvido com as escritas do submundo. Fale um pouco mais de vosso trabalho com o “Manifesto do Fim do mundo zine” quantas edições já lançou, planos futuros do zine e o que tu acha das escritas subversivas no mundo contemporâneo e digital ? (Olha já ouvi headbanger das antigas e que tem banda dizer que zine é ultrapassado)
Necrosadic: Sim, estou tirando um pouco do meu tempo para me dedicar a escrever o “Manifesto do fim do mundo”, ele até o momento teve apenas uma edição e já estou editando a segunda, porém sem uma data definida ainda.
Eu já tinha editado um outro zine anos atrás, e acabei deixando de lado devido aos contratempos do cotidiano. Fazer um zine é um trabalho cansativo, porém muito prazeroso, então embora que eu tivesse deixado de editar, por muitos anos tive vontade de fazer uma nova edição e esta que foi concretizada com muito suor! Eu sempre tive esse lado saudosista de ver uma entrevista e ter o prazer de ler ela impressa, nada contra a meios de divulgação através da internet, mas o prazer de você pegar um fanzine é impagável. Ao banger que ao afirmar que um zine é ultrapassado, esse sim se perdeu no profundo absurdo. Os pilares do underground e essa resistência de manter esse gosto pelo material físico, não só zines, mas CDs, cassetes e LPs, esse gosto de colecionar e apreciar o disco físico, além de ter toda uma magia, que inclusive nenhum outro estilo musical proporciona com tanto fervor, pra mim faz com que a vida seja menos indigesta.
Depois que essa Pandemia passar e o mundo voltar ao normal quais os planos futuros da banda Sade ?
Necrosadic: Sendo bem sincero, não vejo muita coisa positiva em relação a essa pandemia, vivemos em um país subdesenvolvido onde temos um governante sádico (No sentido não prazeroso da coisa), onde fazer o mínimo do mínimo é desrespeitado devido ao seu negacionismo burro, e sua propagação de desinformação faz com que suas ovelhas tratem com desdém toda essa pandemia, então sinceramente, não faço planos em relação ao Sade, não temos ambição de se apresentar tão cedo, então é aguardar sem grandes expectativas.
Chegamos ao final desse bate – papo. Obrigado,por trocar uma ideia conosco. O Espaço é de vocês. Eu gostaria de saber quem vocês trancaria numa câmera de tortura para sempre.(kkk)
Necrosadic: Muito obrigado Walter, pelo interesse em nosso culto, foi muito prazeroso responder este zine. A todos aqueles que andam à margem do politicamente correto, que tem fascínio pelos esgotos do necrounderground, que tenham interesse em manter contato, será um prazer esse intercâmbio. Troca de ideias, materiais ou qualquer meio que difundi música profana, literatura marginal, cinema e etc. Aguardamos seus contatos através de (sade69gore@gmail.com). Respondendo sua pergunta acima, eu levaria em uma câmera de tortura a humanidade como um todo, mas como tal desejo é uma utopia distante, ficaria conformado em levar políticos fundamentalistas autoritários religiosos, crentes desgraçados e alguns vermes dessa “cena underground”.
Entrevista cedida para: Warfare Book Zine # 05