O OPEN THE COFFIN veio ao mundo através de seu mentor Cláudio Slayer para enriquecer ainda mais a cena Death Metal do Nordeste brasileiro, uma cena muito prolífera e que sempre nos presenteia com ótimas bandas. Prestes a lançar o segundo trabalho pelo selo catarinense Black Hole, fomos conversar com Cláudio e ele nos falou um pouco mais sobre o passado, presente e futuro da banda. Adentramos os portões do cemitério, o caixão está aberto e exumaremos o cadáver.
Grande Cláudio Slayer, é um prazer tê-lo nas páginas do The Old Coffin Spirit Zine & Portal. Seja bem-vindo! Para iniciarmos, nos conte como o Rock/Metal chegou até você e o que esse vírus fez de sua vida?
Cláudio Slayer: O prazer é meu, desde já agradeço pelo convite e espaço! Bom, tudo começou no ano de 1983 quando um primo mais velho me mostrou um coletânea dupla chamada Rock Na Cabeça, onde no meio de todos os sucessos do pop da época tinha músicas do Judas Priest e Ozzy Osbourne. Esse foi o primeiro contato com a música pesada. Porém, foi com o show do Kiss no mesmo ano que eu realmente dei o pontapé inicial para mergulhar de cabeça no Rock/Metal. Lembro que a mídia explorou muito essa apresentação, eu comprei revistas, desenhava os caras no caderno da escola, até que meu pai me deu uma fita K7 comprada numa banquinha com um coletânea deles e logo depois eu pedi, e ganhei de presente, o Lp Creatures of the Night, na virada de 83/84. Daí foi só ladeira abaixo, ainda bem. Esse vírus me infectou de uma forma que é parte fundamental da minha personalidade.
Como todos que descobriram o Metal e o Underground, sempre quisemos fazer parte da cena montando bandas, ou fazendo fanzines, ou organizando eventos, e fazendo a roda girar. Quando veio a vontade de montar uma banda?
Cláudio Slayer: Verdade, isso também aconteceu comigo. Em 1987 eu comecei a trocar cartas com bandas, zines e bangers Brasil a fora, até que em 1988 comecei a editar meu próprio Fanzine (o Fanzine Whiplash, juntamente com o amigo Luziano, proprietário da loja e gravadora Whiplash Discos). Mas somente em 1990 eu entrei na minha primeira banda, o Insane Death, pioneiros do Death Metal aqui da cidade. Chegamos a gravar apenas Demos-Reh ambas durante o ano 1992, uma delas você pode encontrar no Youtube. Com essa banda também viajei para tocar fora do meu Estado pela primeira vez, foi na Paraíba, onde tocamos nas cidades de Campina Grande e João Pessoa durante o ano de 1991 ao lados de grandes bandas paraibanas da época como o Mortífera, Abaddon, Medicine Death e Krueger. De fato, eu só me tornei músico por causa da devoção ao Metal, acho que isso acontece muito dentro do nosso universo: gostamos tanto deste tipo de música que queremos participar de forma efetiva e vivenciar por completo tudo o que ele pode nos oferecer, tornando-se um estilo de vida.
Eu comecei ouvir Rock/Metal lá por 1991 e por volta de 1993 comecei a trocar missivas com metalheads e conhecer melhor o submundo, frequentar show e descobrir o Underground nacional. Mas é óbvio que com o tempo descobri a história do Luziano e a Whiplash discos. Esse cara, estava a frente de seu tempo em termos de cena brasileira. Foi uma perda muito grande para o Metal nacional, né?
Cláudio Slayer: Exatamente, amigo. Luziano era um visionário, estava à frente do seu tempo. O conheci por volta de 1986 quando ainda comercializava posters, discos, patchs, revistas e fanzines na sala de sua casa. Era uma época mágica, visitando sua casa tínhamos contato com tudo que estava rolando no eixo sul/sudeste em termos de lançamentos. Eu pintava camisas nessa época, lembro que pintei uma do Overkill para ele, sua banda favorita, e a partir daí ficamos amigos próximos, ao ponto de editarmos o Fanzine juntos durante quatro anos e eu trabalhar na sua loja durante um tempo também. Luziano trouxe para Natal bandas com Hammermead (SP) e Sex Trash (MG), lançou lps de bandas nordestinas e de outros estados. Um dos meus maiores orgulhos foi ter feito a capa do seu primeiro lançamento: o LP Whiplash Attack Vol. I, com quatro bandas natalenses (Hammeron, a banda na qual ele era vocalista, Deadly Fate, Auschwitz e Croskill), lançado em 1990. Infelizmente, em 1992 ele foi diagnosticado com leucemia e não resistiu à doença vindo a falecer no mesmo ano. Foi uma grande perda não só para Natal, para o Nordeste, mas para a cena nacional, pois sua mente inquieta e empreendedora estava sempre agilizando algo em prol do Metal nacional
Meu amigo, você é um cara muito ativo na cena, editou fanzine e tocou em várias bandas. Você já citou uma delas aqui que foi a Insano Death. Gostaria que você comentasse um pouco sobre as bandas: Agoniza e Deuszebul. Essas duas bandas estão na ativa e quais as novidades sobre as mesmas?
Cláudio Slayer: Na verdade, o Agoniza não é bem uma banda, foi um projeto de Thrash/Death com uma sonoridade mais moderna e em português, concebido no período de isolamento da pandemia e gravado remotamente, pois todos os integrantes moram em Estados diferentes. A formação que gravou o Ep “O significado da carne” que está disponível nos streamings foi eu no Baixo aqui do RN, o Nicolas na guitarra em SP, o Victor na bateria lá do RJ e o Zé Misantropo nos vocais, que é de Brasília, mas agora mora na PB. Todo o processo de concepção e gravação foi feito a distância, cada um no seu estúdio/home-studio. Enquanto Agoniza nós nunca nos encontramos ou ensaiamos presencialmente. O projeto segue em “Stand by”. Também gravei um Ep neste mesmo formato (remotamente com pessoas de outros Estados) para o Vermiis durante o isolamento, ele também está disponível nos streamings. Já o Deuszebul é uma banda de Blackned Grind que já existe há um certo tempo aqui em Natal, porém eu entrei em 2019. Eles eram um trio (Vocal, Guitarra e Bateria) e costumavam se apresentar ao vivo assim, eu sempre brinquei que era uma das poucas bandas sem baixista que eu gostava (rsrs), até que eles me chamaram para ocupar o posto. Acabamos de finalizar a gravação do novo álbum intitulado “Pesar”. A banda já possuí um Full CD, o “Abandono”, mas eu ainda não fazia parte da banda quando ele foi gravado. Estamos no processo de mixagem desse material. Recentemente também tive uma passagem pelo Son of a witch, banda de Stoner/Doom aqui da cidade, onde gravei o baixo do segundo disco “Commanded by cosmic forces” e do Ep “Reverencing”, mas deixei a banda em 2022.
Talvez a banda que você faz parte seja mais conhecida por toda a cena brasileira é o “Expose Your Hate”, que está na ativa desde 1999. Já tem vários materiais lançados, entre eles: demo tape, split, participações em várias coletâneas e dois full length, “Hatecult”(2005) e “Indoctrination of Hate”.(2014) Gostaria que você nos dissesse o que representa à Expose Your Hate em sua vida e nos diga também como foi a aceitação do single lançado em 2023, chamado: The Celebration of Blindness?
Cláudio Slayer: O Expose Your Hate é muito importante dentro da minha trajetória como músico no underground e por diversos aspectos. Foi a banda que montei após minha primeira experiência como músico, o Insane Death, que apesar de relevante foi meio que frustrante já que a banda durou apenas dois/três anos e não chegou a gravar nada em estúdio. Eu fiquei cerca de seis anos sem tocar, até ter a ideia junto com o primeiro vocalista de montar uma banda que agregasse ao Death metal nossas influências de Grind e Crust, e foi assim que surgiu a banda. O Expose Your Hate está completando 25 anos de estrada agora em 2024, sou o único membro original, mas comigo estão pessoas na banda há pelo menos 15 anos mantendo viva nossa proposta de um som agressivo e direto. O Expose Your Hate tem um significado imensurável para mim, não consigo nem colocar em palavras. Só posso afirmar que significa tanto que apesar de mais de duas décadas, ainda sigo aqui fazendo nossa música odiosa com prazer e vontade. O single ”The Celebration of Blindness” teve uma ótima aceitação e tem repercutido muito bem. Isso nos deixa felizes, pois fazia muito tempo que não gravávamos nada ele acabou servindo como um aperitivo do que vem mais pra frente, já que estamos finalizando, finalmente (rsrs), a composição do que será nosso terceiro CD.
Pois é, eu iria mais á frente te questionar sobre o Vermiis, mais você já se antecipou.(Hahaha) Eu sou um cara que curte muito metal e dentro do estilo eu gosto muito de Doom Metal! E o Son Of A Witch apesar de ter uma pegada mais stoner eu gosto muito! Com essa pegada stoner são poucas bandas que eu gosto. E como foi para você ter se envolvido com um som mais arrastado e você vindo de uma escola mais rápida e brutal. Foi difícil se adaptar ao estilo de tocar? Eu gosto muito do Witching Altar, e você poderia nos indicar outras bandas brasileiras nessa pegada que você aprecia para nossos eleitores?
Cláudio Slayer: Pois é, apesar de ser uma pessoa que escuta muitos gêneros dentro da música pesada, minha predileção e escola sempre foi o metal mais extremo. O convite para entrar no Son of a witch veio do Flávio, guitarrista e fundador da banda, que também toca comigo no Expose Your Hate. Ele sabia que eu não era um grande conhecedor do estilo Stoner, porém eu toquei baixo por mais de dez anos em uma banda tributo ao Black Sabbath aqui na cidade, Geeze Butler é uma das minhas principais influências como baixista e o estilo Stoner tem muita referência do som do Sabbath. A partir daí conheci bandas do estilo e passei a gostar como Eletric Wizard e Reverend Bizarre. Eu já gostava muito do Candlemass, nessa pegada do Metal arrastado. O Withing Altar é uma banda fantástica, coincidentemente vi um show deles há poucos dias num festival aqui em Natal, gosto muito. Eu posso indicar o grande Pesta de Minas Gerais, é uma banda com uma sonoridade espetacular dentro desse segmento musical.
Cláudio, em 2018, você montou um projeto chamado: Open The Coffin. A princípio era uma one man band. De onde veio essa necessidade de entrar de cabeça no Death Metal mais tradicional, e nos fale um pouco mais sobre o EP Only Death Prevails(2019) se você esperava essa grandiosa recepção que este trabalho teve no submundo?
Cláudio Slayer: Exatamente, originalmente o Open The Coffin seria apenas um projeto para gravar algumas músicas de Death Metal old school sem maiores pretensões. Essa necessidade na verdade era uma vontade antiga que eu tinha de voltar a tocar esse estilo, haja visto que minha primeira banda (Insane Death) tinha uma sonoridade nessa linha e foi minha escola como músico dentro do Metal, sem falar que sempre fui apaixonado pelo estilo. Eu costumava compor riffs nessa pegada, mas não usava nas bandas que estava tocando no momento. Bem no início eu até cheguei a cogitar uma nova banda para materializar essa ideia, mas desisti rapidamente. Até que inspirado pelo trabalho do meu brother Hugo do Cemitério, onde ele faz tudo sozinho, eu resolvi arriscar. Como eu nunca toquei bateria, convidei o amigo César para gravar esse instrumento e fiz o resto no EP Only Death Prevails: as composições, letras, gravação da guitarra, baixo e vocal, além da pintura da capa. Sinceramente, eu não esperava uma aceitação tão boa desse material pelo Underground, a coisa foi bem mais longe do que eu imaginava, tanto que devido a essa repercussão positiva eu tive que montar uma banda para tocar essas músicas ao vivo. Isso acabou sendo o ponta pé inicial para que o projeto tivesse uma mudança no seu formato original. Desde então, eu continuo compondo e gravando tudo, com exceção da bateria, e tenho uma banda de apoio para as apresentações ao vivo.
Com a boa recepção da Open The Coffin veio a necessidade de montar uma banda e, como se diz por aí: Quem sabe faz ao vivo. Nos apresenta os coveiros que te acompanham pelos subterrâneos do underground.
Cláudio Slayer: Atualmente a base do Open The Coffin sou eu e o baterista Flávio Neves. Eu já tocava com ele no Deuszebul e como César, o baterista que gravou o EP, não continuaria no projeto por motivos pessoais, eu convidei o Flávio. Foi uma decisão acertada, pois nós temos uma química muito boa no processo criativo, o que facilita bastante na hora de montar as batidas para as músicas. Ele gravou a bateria do Full CD The World is a casket e desde então assumiu as baquetas ao vivo também. O guitarrista Paulo Death é meu companheiro no Expose Your Hate, além de tocar em outras bandas da cidade como Profane Anger e Nighthunter. Também tenho um laço estreito com ele, já que somos companheiros de banda há muitos anos no EYH. O baixista Adriano “Doctor Gore” Sabino é peça importante nesse cortejo funerário, pois além de assumir as quatro cordas, é o sujeito que tem mixado e masterizado nossos trabalhos. Já tocamos juntos há muitos anos numa banda de Goregrind chamada Putritorium, nesse estilo ele também encabeça o purulento Rancid Flesh. E por último temos o Hugo Albuquerque com quem toquei muito tempo junto na banda tributo ao Black Sabbath. Hugo também toca no Sodoma, banda pioneira do Metal em Natal, que voltou a ativa reformulada há alguns anos. Mas o curioso é que além de exímio guitarrista de bandas covers Rock/Metal do circuito de bares noturnos da nossa capital, tatuador, ele também é coveiro, de verdade, hehehe. Eu sempre brincava com ele: “Porra, você tem que tocar comigo no Open The Coffin, um coveiro de verdade na banda”. Até que a brincadeira ficou séria e ele passou a integrar a formação que tem levado os agouros sonoros aos palcos. O legal é que sempre que preciso filmar alguma coisa ou tirar fotos no cemitério é só ligar pra ele, hahaha.
O primeiro trabalho da Open The Coffin, Only Death Prevails (EP) e o full album “The World Is a Casket” saíram pelo selo Crionics Records. Como foi que rolou esse contrato com o selo e você ficou satisfeito com o trabalho deles com a banda?
Cláudio Slayer: Eu não conhecia o Pablo, a pessoa por trás do selo carioca Crionics Records, até ele ter entrado em contato comigo após eu ter divulgado um vídeo com o áudio do ensaio de uma música do Open the Coffin. Essa divulgação acabou repercutindo bem e deixando muitas pessoas curiosas para saber mais um pouco sobre o projeto, que ainda estava engatinhando naquele momento, em 2018. Ele já havia participado de alguns lançamentos juntamente com outros selos e procurava uma banda para fazer seu primeiro lançamento como selo Crionics. Falou que tinha gostado muito do som divulgado, que na verdade foi uma gravação de pouca qualidade, lembrando aquelas demos-ensaio dos anos 80/90, da música open the coffin. Fez uma ótima proposta e em 2019 lançou as 500 cópias do EP no formato Digipack, cópias essas que se esgotaram rapidamente com ele e a parte que ficou comigo, além dele ter enviado para vários países. Eu fiquei muito satisfeito e resolvi manter a parceria para o Full álbum The World is a Casket que saiu em 2022, onde ele caprichou ainda mais na parte física do lançamento. Foram também 500 cópias, as últimas 50 estão comigo, pois ele resolveu parar com o selo devido a questões relacionadas a sua profissão, infelizmente. Conversamos e eu fiquei “livre” para buscar outra gravadora e dar continuidade a maldição sonora do caixão aberto.
Realmente, o EP ficou muito foda! Musicalmente eu gostei muito. A arte da capa, também ficou matadora! Infelizmente,eu não consegui ainda pegar o full length “The World is a Casket”. (2022) E como você fechou essa nova parceria com o Fernando Camacho do selo joinvilense Black Hole Productions? Quais as expectativas com essa união norte/sul do Brasil, em nome do metal da morte ?
Cláudio Slayer: Obrigado pelas palavras sobre EP, acredito que você vai gostar da versão física do full length “ World is a Casket”, pois ele foi feito com mais esmero e atenção nos detalhes da parte gráfica e layout, vem com slipcase e pôster também. Sobre a Black Hole Productions, eu conheço o Fernando Camacho há mais de 20 anos, acompanhando seu trabalho com o Zine, depois Revista e finalmente gravadora. Inclusive, esse contato estreitou quando o Expose Your Hate passou a fazer parte da gravadora bem no início dos anos 2000, pela Black Hole Productions nós lançamos os dois full lenght do Expose. Com relação ao Open The Coffin, assim que saiu o teaser do “The World is a Casket”, o Fernando mandou mensagem perguntando se já havia selo para lançar o material e na época eu o informei que sim. Porém, após ficar sem gravadora, eu entrei em contato com ele perguntando se ainda tinha interesse no Open The Coffin e depois de uma breve conversa tudo ficou acertado para o lançamento do próximo trabalho. Por confiar e admirar a forma como o Fernando conduz as coisas na Black Hole, eu posso afirmar que estou bastante feliz com essa parceria. Sei bem como as coisas são conduzidas por ele por causa da experiência entre o Expose Your Hate e Black Hole Productions, seu profissionalismo na hora de materializar o trabalho da banda é algo indiscutível e admirado por muitos, aqui e no exterior. Estou muito orgulhoso de ter o Open The Coffin no seu cast e espero que esse seja o primeiro de muitos frutos podres dessa parceria.
Então, Cláudio, o mundo mudou, né? Não precisamos mais esperar meses ou até anos para conseguir uma K7 gravada de um amigo, que gravou de outra de um amigo, que conseguiu uma gravação de um amigo que tinha em CD ou Vinil. Eu já ouvi o full álbum” World is a Casket” no Spotify e achei matador! Mas nós, tiozinhos do submundo, precisamos ter o físico, né? Caro amigo, já que estamos nessa, me diz aí o que você acha do mundo atual, onde tudo é muito fácil, ter acesso ao underground e, por um lado, eu acho muito legal. Porém, as novas gerações vão perdendo essas raízes que fizeram o Metal/Underground ser forte e não se prostituir ao mercado capitalista. Você acredita que o Metal não precisa se vender e habitar o submundo? E o radicalismo ainda tem que existir neste mundo de Streaming e redes sociais?
Cláudio Slayer: Cara, o mundo mudou muito e não adianta a gente cobrar uma postura das novas gerações, que não vivenciaram o que a gente teve que passar, como os exemplos que você deu, porque simplesmente não faz sentido para essas pessoas. A nova geração não tem parâmetros para entender o que era o underground há quatro décadas, até porque eles nem idade tem pra isso. Nasceram numa época onde o descobrimento e a forma de consumir a música é extremamente diferente. Não dá pra esperar da nova geração uma visão e atitude, diante da cena underground, baseada naqueles anos de movimento musical subterrâneo e averso a popularidade que nós experimentamos na gênese do metal underground. É difícil para nós, mas temos que admitir que essas mudanças do mundo moderno afetaram a nossa realidade metálica e infelizmente nós temos que nos adequar há algumas delas. Como qualquer mudança que implica em comportamentos socias novos, como o uso da tecnologia streaming para consumir música, ela vai trazer benefícios e consequências não tão agradáveis. Ainda no caso do streaming, não existe forma melhor hoje em dia de conhecer novas bandas, pois a facilidade e velocidade instantânea é assustadoramente recompensadora. Porém, isso acaba criando um imediatismo, um desapego ao material físico, que não é nada benéfico para o underground. É um tema complexo. Eu só gostaria que essa nova geração entendesse que o Metal para nós não é apenas música, não é descartável, envolve um universo que precisa de uma espécie de comprometimento, tipo frequentar os shows, adquirir material físico das bandas, pois no final é assim que nós celebramos a devoção a esse estilo de música que nos move. Para mim, a forma que encaramos o Metal ainda o faz habitar o submundo. Apesar do Heavy Metal hoje em dia ser algo de conhecimento geral e ser vendido como mais um produto da indústria musical, isso não quer dizer que não existem pessoas que o encaram como um estilo de vida, de verdade. Nós sabemos que ainda temos lojas, bandas, zines, gravadoras, que não são mantidos por empresários, mas por pessoas que amam o que fazem e não conseguem viver sem essa conexão ao Metal. Com relação as redes socias, elas não são um problema só para a comunidade metálica, mas para toda a humanidade, hahaha. Já sobre o radicalismo, eu não sei se hoje em dia, diante de tudo que falamos aqui, teria sentido. Digo aquele radicalismo dos 80/90 que tinha um sentimento de preservação da cena underground. Mas eu entendo muito bem quem quer manter esse sentimento, pois acredito que a intenção dessas pessoas continua sendo a sobrevivência do underground.
Você é um cara que começou a descobrir o Rock / Metal lá no início dos anos 80 do século passado. Então, você também coleciona além de vinil,cds e zines. Também já editou zine. Quando foi lançada a primeira edição do Whiplash Zine e quantas edições saíram desse artefato?
Cláudio Slayer: Sim, além de músico, eu também tive outras atividades dentro do undeground, organizei shows, contribui com trabalhos artísticos para bandas, editei e colaborei com Fanzines. O Fanzine Whiplash teve seis edições, se eu não me engano, sendo a primeira edição de outubro de 1988 e última de março de 1992. No início, os editores eram o Luziano da Whiplash Discos, eu e o amigo Hamilton Varela. No decorrer das edições tivemos vários colaboradores e pudemos divulgar muitas bandas brasileiras e até do exterior. Me orgulho muito de ainda ter amigos que fiz durante o período de troca de cartas para obter ou trocar edições do Zine. Eu costumo dizer que a devoção ao Metal é tão fantástica que é capaz de fazer pessoas que nunca pensaram em tocar instrumentos musicais a integrar bandas. Pessoas que nunca se imaginaram escrevendo, editando publicações sobre o estilo. Isso é excepcional!
Mesmo que estejamos vivendo em mundo digital, o submundo ainda vive nas páginas de um zine. Eu costumo dizer que os zines são importantes porque chegam nas mãos de quem realmente vive e gosta desse saudosismo e ajudam a registrar bandas que estavam vivendo o underground naquele período. Felizmente, o Brasil sempre teve uma “cultura fanzineira” forte e muito bons. Nos últimos anos vários zines que estavam adormecidos voltaram e muitos outros novos surgiram e com conteúdo tanto visual quanto lírico muito bons. Quais zines você aprecia e poderia indicar aos nossos leitores ?
Cláudio Slayer: Os Fanzines foram o alicerce do nosso underground. Naqueles tempos sem internet e de poucas publicações editorias sobre Metal, que geralmente não chegavam a todas as bancas do Brasil, o que seria de nós, apreciadores, integrantes de bandas e apoiadores, sem essa ferramenta fundamental de conexão entre os agentes atuantes do Underground? Cara, eu fico até com receio de citar alguns Zines, pois certamente estarei comentando injustiças com os outros, mas eu poderia indicar, entre os impressos, o grande Sepulchral Voice e também o Death Metal Zine. Mas claro que nós temos uma infinidade de webzines e portais que também são fundamentais para o fomento do Underground, como o próprio The Old Coffin Spirit.
Cara, como você vê o atual cenário brasileiro, e o que você acha que mudou para melhor, o que continua na mesma e que precisa melhorar?
Cláudio Slayer: Eu penso que evoluímos muito enquanto cena brasileira. Muitas bandas mostrando um ótimo trabalho, grandes festivais, publicações, produtoras que colocaram o Brasil na rota de bandas gringas e fazem com que bandas underground também possam circular por nossos Estados. O que mais nos prejudica é o fato de sermos um país com dimensões continentais. Isso eleva muito os custos para fazer um giro pelo país, a logística é sempre mais complicada do que em outros países, como os da Europa, por exemplo. Infelizmente esse é um fator que foge do nosso controle e nós só podemos continuar superando essas barreiras geográficas e seguir nossa batalha, dentro do possível. Sobre o que precisa melhorar, acho que não é um problema exclusivo da cena brasileira, mas de muitas cenas subterrâneas mundo afora: a diminuição do público em eventos undergrounds. Tenho percebido que esse fato é real e gostaria muito que voltássemos aqueles tempos de lotar os espaços das nossas cidades somente com apresentações das bandas locais.
Meu caro, gostaria de saber o que tem na cena nordestina para sair tantas bandas matadoras dessa região do país? Quais bandas você apoia e quais bandas vêm te chamando atenção e fazendo um trabalho muito bom no submundo, que chamou sua atenção?
Cláudio Slayer: Deve ser o calor, hahaha. O Nordeste tem uma cena muito rica e aqui você vai encontrar boas bandas em diversos segmentos da música pesada, sobretudo no Metal extremo. Eu não conheço tudo que é produzido por esses lados e nem vou lembrar de todas que conheço, hahaha, mas agora posso citar Comando Etílico, Profane Anger, Nômades, Torment the skies, Orbis daemoniun, Behavior (PB), Sodoma (PB), Venomous Breath, Demonized Legion, Necrohunter, Korvak, Decomposed God, Blast agony, Sepulchral whore, Final Creation, Infested Blood, Blast Agony, Sevo, Echos of Death, Damn Youth, Facada, Obskure, Pantáculo místico, Devil, Arkanus ad noctum, Hell Poison, Eternal Violence, Basttardz, From the abyss, Malefactor, Headhunter dc, The cross, Erasy, God Funeral, Suffocation of soul, Papa necrose, Sentença de morte, Svlfvr, Poisonus.
Realmente, Cláudio, a cena subterrânea mudou muito e o público hoje prefere ficar em casa ou só ir em festivais grandes, e com bandas gringas. Estão perdendo de ver e apoiar novas bandas brasileiras que fazem nosso underground, é como você citou, as coisas hoje estão com melhores infraestruturas, é preciso de apoio, né? Não sei como está a cena aí por sua área, mas aqui na região do grande vale do Itajaí (SC) e também na capital Florianópolis, tem rolado muitos shows bons com bandas do estado, de fora e inclusive bandas gringas e vejo muita molecada nova nos shows. Acredito que é hora de os mais velhos apoiarem e receberem essa nova geração de braços abertos, não é mesmo, cara?
Cláudio Slayer: Certamente que sim, mesmo que exista uma resistência por parte de algumas pessoas mais velhas da cena, eu penso que essa renovação é fundamental para a continuidade e existência do nosso cenário. Nós não duraremos para sempre, nem as bandas que nós aprendemos a gostar lá no início da nossa caminhada, então porque não entender que essa renovação é necessária? Nós podemos até discutir as posturas e o comprometimento dessa nova geração para com o underground, indicar o caminho, mas rejeitar essa presença de sangue novo, na minha opinião, é um tiro no pé.
Meu caro amigo, você já tem uma data específica para o lançamento do full length do Open The Coffin? Você poderia nos dar mais detalhes sobre a produção, gravação, estúdio que foi gravado e arte da capa? Quem será o responsável?
Cláudio Slayer: Ainda não posso te falar uma data com precisão, mas pretendo iniciar as gravações do novo disco no segundo semestre deste ano. Sim, posso adiantar algumas coisas, o álbum terá oito músicas, sendo sete inéditas e uma regravação de uma música cantada em português, será registrado da mesma forma que os lançamentos anteriores: eu gravando tudo com exceção da bateria, que continua a cargo de Flávio Neves (que gravou o CD anterior). Será gravado aqui em Natal no mesmo estúdio dos trabalhos passados, porém dessa vez será mixado num estúdio em São Paulo e por outra pessoa que ainda não trabalhou com o Open The Coffin. O álbum já tem título, mas não vou dar spoiler, hahaha. Eu pretendo continuar trabalhando com o mesmo artista da capa do The World is a casket, o Marcos Miller, para a ilustração da capa do novo disco. No momento, estamos ensaiando, eu e o Flávio, as músicas que farão parte do novo trabalho, músicas que já foram finalizadas e estão sendo lapidadas para ficar 666% prontas para ser registradas em estúdio.
E nos diga, como é uma apresentação ao vivo do Open The Coffin e como os mortos vivos podem esperar de um show de vocês? Aproveitando o gancho, como foi para vocês tocarem no Setembro Negro do ano passado (2023) e dividir o palco com tantas lendas do metal mundial?
Cláudio Slayer: Ao vivo eu incorporo o coveiro e comando o cortejo funerário, ambientando pelo Death Metal motoserra, que termina com o sepultamento de todos os presentes! A performance inclui uma pá, devidamente batizada na terra de um cemitério, além de reflexões entre as músicas sobre o destino final de todos: tornar-se pastagem para os vermes! Procuramos fazer uma apresentação intensa e energética, além de mórbida e soturna, como os últimos suspiros de quem em breve apodrecerá e será devorado lentamente por larvas famintas. Sobre o Setembro Negro Festival, o maior encontro e celebração da música pesada em terras brasileiras, eu me sinto um cara extremamente agraciado, pois tive a chance de tocar em duas edições: em 2019 com o Expose Your Hate e em 2023 com o Open The Coffin. A edição de 2023, pessoalmente, foi a mais marcante. Antes, gostaria de falar de algo que realmente é espetacular na organização/condução/produção do festival por parte da Tumba Recs e na pessoa de Edu Lane: o tratamento que TODAS as bandas tem, desde as mais undergrounds até as lendas que fazem parte do cast. Nós tocamos com o mesmo backline, sonorização, iluminação, equipe técnica de palco, além de camarim, hotel, traslado aeroporto/hotel/casa de show, etc. Enfim, muito respeito e profissionalismo! Essa última edição, além da recepção e comentários positivos sobre o nosso show (vendemos todo o merchandising que levamos!), proporcionou momentos inesquecíveis para mim. Era comum, no momento das refeições no hotel, sentar ao lado de pessoas que escuto e me influenciam desde os meus primeiros acordes como músico. Almoçar ao lado de Tom Warrior, topar no elevador com o outro Tom (Angelripper do Sodo19m) e AC Wild do Bulldozer, conversar no lobby do hotel com o John Walker do Cancer, chegou a ser surreal. Sem contar os momentos de descontração com os parceiros das bandas brasileiras que lá também estavam.
Eu venho falando sempre nas resenhas que faço de shows aqui por Santa Catarina, que 80% delas o Edu Lane está por trás, seja com bandas nacionais e gringas, como nossa cena deu um passo à frente, e muito se deve a esse “pequeno passo na evolução”, à pessoa dele. Tenho grande respeito e admiração pelo trabalho dele. Existem planos de shows pelo Brasil e no exterior em um futuro próximo?
Cláudio Slayer: Estou plenamente de acordo, eu conheço o Edu há pelo menos 25 anos e o nosso primeiro contato foi justamente assim, com ele trabalhando em prol do underground brasileiro. Isso ocorreu quando ele trouxe o Krisiun pra tocar aqui em Natal no ano de 2000 e eu toquei com o Expose Your Hate no evento. O cara é um grande guerreiro da nossa cena, fez e faz história, ama a música pesada acima de tudo e é um headbanger como nós, total respeito! Sim, já estamos com algumas apresentações agendadas no segundo semestre aqui pelo Nordeste, mas o foco no momento é concluir a produção e gravação do novo álbum. A partir daí, tentaremos levar nossa música sepulcral aos mais diferentes lugares, principalmente aos palcos que não amaldiçoamos ainda!
Cláudio Slayer, obrigado pelo seu tempo cedido a nós do portal. Sei que você é professor, músico e tem a vida corrida no dia a dia, mas no final deu tudo certo. Antes das palavras finais, nos indique 5 bandas/álbuns essenciais na sua formação de metalhead e músico? Palavras finais suas. Abaixem o caixão e joguem as últimas pás de terra. Abraço, Força-Sempre!
Cláudio Slayer: Eu que agradeço pelo convite e espaço no Portal, fico extremante agradecido pelo apoio e oportunidade de falar um pouco sobre a minha jornada dentro do Underground e o trabalho das bandas que faço parte. Inclusive, também agradeço pela paciência para aguardar as respostas dentro do tempo que me era disponível, Walter! Bom, 5 bandas/álbuns é muito pouco, mas vamos lá, hahahah. Vou citar cinco discos que são muito importantes na construção da minha identidade de metalhead: o Kiss – “Creatures of the night” como o ponta pé inicial na minha jornada metálica, o Slayer – “Reign in blood” que despertou minha devoção pelo o lado mais agressivo do Metal, o Death “Leprosy” que me fez amar o Death Metal, o Napalm Death “Harmony Corruption” e o Brutal Truth “ Extreme condictions…”por mesclarem duas das minhas paixões dentro da música extrema: o Death Metal e o Grindcore. Um grande abraço e espero que gostem do vindouro álbum do Open The Coffin, que brevemente estará disponível no cemitério mais próximo de você. Obrigado