A essa altura do campeonato, ninguém mais tem dúvidas sobre a capacidade da França em produzir grandes artistas voltados ao metal extremo. “Raido” é o pseudônimo utilizado pelo cidadão francês que criou o projeto solo FERRITERIUM em 2010 (seu mais antigo), com o propósito de desenvolver Black Metal. O músico também é conhecido por participar de outros grupos, como o KARNE (ótima banda de Black Metal), onde é guitarrista, e o HEIMSGARD (Pagan Black), onde também trabalha sozinho.
“Calvaire” é o nome do seu terceiro álbum, lançado pelo selo francês “Epictural Production” em janeiro de 2021 em CDs, e pelos britânicos da “Goatprayer Records” em fitas cassete.
“Raido” ocupou-se da composição e da gravação dos vocais e guitarras, com exceção da bateria, gravada por “Thyr” (ex-batera do OTARGOS, já havia tocado no disco anterior, “Le dernier livre”, de 2019) e do baixo, a cargo de “Lethal”.
A arte da capa é brilhante e provocativa, obra da francesa “Sözo Tözo”. Um homem estilizado e esquálidosegura no alto a própria cabeça decepada, a qual parece observar uma espécie de luz, ou fagulha, na altura onde deveria estar a cabeça. Aberta a interpretações, sem dúvidas. Talvez evoque o calvário, do título da obra, relacionado à nossa existência? Ou à possibilidade do ser humano de pensar por si mesmo e traçar seu destino, contrariamente aos dogmas impostos pelas religiões…seria aquela fagulha a luz do criador? Ou a própria alma do homem?
O Black Metal concebido pelo FERRITERIUM é primordialmente melódico. E isso não significa ausência de peso ou brutalidade, pelo contrário. Os sons são odiosos, intensos, sombrios como não poderiam deixar de ser, e imponentes. A paixão colocada na execução das músicas é quase palpável, e causa real impacto no ouvinte.
“Calvaire” é um álbum de apenas quatro músicas, mas todas extensas, com duração média acima dos dez minutos. O trabalho de guitarras é excepcional, em especial na criação dos riffs melódicos que contrastam em camadas com a fúria e agressividade extremas das bases. A bateria é implacavelmente espancada o disco todo, suas linhas são quase que totalmente extremas, com muitos blasts e, até certo ponto, podem passar a impressão equivocada de não oferecerem muita variação. Uma análise cuidadosa e honesta precisa reconhecer que o baterista “Thyr” é um monstro, e fez de fato um grande trabalho.
O baixo não se destaca tanto nas primeiras músicas, mas cumpre bem seu papel, e seu som ficou nítido na mixagem. O instrumento aparece com mais brilho na última parte do disco, especialmente durante a última faixa “L’apogée Du martyr”.Esta, inclusive, pode ser apontada como a melhor do álbum, com atmosfera densa e requintada, com uma tensão construída e intensificada ao longo dos seus quase doze minutos de maneira verdadeiramente épica.
Os vocais de “Raido” são muito bons, o artista gravou partes bastante diversas, que demandam versatilidade. Seu timbre não soa exagerado ou cansativo em nenhum ponto do disco, e ele consegue emanar os sentimentos desejados, como dor, desespero, angústia e ódio.
A produção gerou ótimo resultado, com perfeito equilíbrio entre os instrumentos e o vocal, e realçando a natureza brutal e complexa do trabalho, sem excesso de polimento.
Este terceiro disco do FERRITERIUM demonstra notável paixão do artista e seus músicos de estúdio pelo verdadeiro Black Metal, e merece ser reconhecido e apreciado por todos os fanáticos por Metal Extremo. Para fãs de DISSECTION (SUE), SÜHNOPFER (FRA), MGLA (POL).
Relação das quatro faixas totalizando 42:45 minutos, com a tradução livre dos títulos entre parênteses:
1 – “L’Apostasie” (A Apostasia)
2 – “La proie du cloître” (A Presa do Claustro)
3 – “L’opéra de Géhenne”(A Ópera de Gehenna)
4 – “L’apogée Du martyr”(O Apogeu do Mártir)
Destaques: A primeira “L’Apostasie” é certamente a mais brutal e hostil, soa como uma tempestade incessante e devastadora por mais de onze minutos. A quarta e última destaca-se pelo bom equilíbrio entre as partes brutais e melódicas, ar progressivo na construção das partes mais tensas e excelente atmosfera.