
Fomos bater um papo com o amazonense Diego Moriendi e ele nos contou um pouco mais de sua trajetória no submundo com as bandas, …Do Fundo…Abismo e Mors Liturgiae e também sobre seu trabalho com o Zine Mors Venit.
Meu caro amigo, é um prazer tê-lo por aqui! Seja bem-vindo ao The Old Coffin Spirit Zine & Portal! Para começarmos nos conte como o Rock /Metal entrou em sua vida e o que mudou nela depois desse descobrimento?
Diego Moriendi – Salve, Walter. Para mim, é um enorme prazer também. Bem, desde que tinha uns 12 anos, eu gostava muito de ouvir no rádio e assistir à TV algumas bandas nacionais de rock comercial. Depois veio a MTV, e conheci algumas bandas alternativas internacionais. Porém, o mais pesado e subversivo que ouvia nessa época eram os Racionais MC’s, que escuto até hoje. O metal extremo conheci por volta dos meus 15 anos, quando me mudei para um bairro da periferia da zona norte de Manaus chamado Novo Israel. Lá, conheci um pessoal que já escutava Thrash, Death e Black Metal. Para responder à segunda parte da pergunta, preciso fazer uma breve contextualização. Bem, quando comecei a ouvir rock, eu morava em uma periferia de palafitas chamada São Sebastião. Lá, a barra era pesada. O crime e o tráfico faziam parte do dia a dia. Meus conhecidos de vizinhança dessa época, quem não está preso, morreu. No Novo Israel, as coisas eram mais tranquilas. Porém, a precariedade da vida ainda era uma realidade cruel. As coisas eram escassas! Logo, não havia espaço para cultura: nada de cinema, nada de teatro, nada de livros… absolutamente nada! As coisas melhoraram um pouco quando consegui um estágio durante o Ensino Médio. Com uma parte do salário, comecei a comprar livros, revistas e HQs, com o intuito de me aprofundar mais nos assuntos, nas pessoas, nos acontecimentos e nos lugares que as bandas mencionavam em suas letras. Considero a leitura algo primordial para o desenvolvimento humano. Por meio dela, entendemos o mundo e as relações de todas as naturezas que nele se estabelecem. Portanto, ela é libertadora! E foi o Metal que oportunizou minha inserção no mundo da leitura e, posteriormente, influenciou minha formação acadêmica e profissional. Logo, afirmo, com indubitável certeza, que a entrada do Metal mudou minha vida.

Que interessante eu sempre gostei de ler na adolescência e ainda gosto de ler muito depois de adulto. Mas eram coisas como: Turma da Mônica, os personagens do Walt Disney e depois Homem Aranha, Demolidor e quando descobri o Heavy Metal ele me abriu as portas para filosofia e leituras mais aprofundadas. Acredito que muitos metalheads de nossa geração tem essa mesma ligação com o Rock/Metal, literatura e cinema. E quando você resolveu montar uma banda de Metal e por que?
Diego Moriendi – A partir do momento em que conheci o Heavy Metal, mergulhei de cabeça em seu submundo. Com isso, passei a fazer parte do underground manauara, frequentando praças e bares onde o pessoal se reunia, além de ir aos shows. Comecei a observar as relações que se estabeleciam e a maneira como o movimento funcionava. Passei a trocar cartas com bandas de outros estados e recebia muitos flyers de bandas, zines, distros, etc. Foi quando senti a necessidade de fazer algo a mais, pois apenas ouvir música já não era suficiente. Decidi, então, montar uma banda – um processo que levou cerca de três anos para se concretizar. Finalmente, em 2007, junto Anderson e Tarcis, fundamos a …Do Fundo…Abismo.
…Do Fundo…Abismo, executa um som poderoso, fúnebre e melancólico, arrastado, desgraçado e com vocais urrados e grotescos. Para mim o estilo de vocês tem muito do metal da morte, agressivo, sujo e poderoso, mas também carregada melodias fúnebres e arrastadas. Ou seja: como você classifica o som que vocês executam na banda?
Diego Moriendi – Sua descrição foi perfeita. Desde o início, tivemos a intenção de aliar ao som da …Do Fundo…Abismo o poder do Death Metal – no que concerne ao peso e à brutalidade – com a soturnidade do Doom Metal – no que tange ao andamento arrastado e à atmosfera mórbida e lúgubre. Destacando assim, o peso da lentidão, que internamente chamamos de Morbidoom Death Metal.

Nos anos 90, existia no cenário do submundo brasileiro uma banda com esse nome:Morbidoom. Faziam um Death Metal. Se não me falha a memória, era de Minas Gerais. Diego, você como já citado acima é amante de literatura. E o nome …Do Fundo…Abismo, tem essa conotação com filosofia. Gostaria que você divagasse mais sobre essa alcunha e por que escolheram esse nome e o que ele representa para a banda?
Diego Moriendi – Lembro-me de uma banda mineira com esse nome, mas o som não era arrastado nem mórbido. O nome …Do Fundo…Abismo possui relação direta com a literatura de Dante Alighieri e sua magnífica obra A Divina Comédia, em particular com o sétimo terceto do Canto IX do Inferno, que diz: “Ensejo, que um de nós a andar obriga pelo caminho, que aos abismos desce”. Sendo assim, fica claro que tanto o nome da banda quanto o título do nosso álbum têm a mesma origem e o mesmo significado, embora escritos de formas diferentes. Além disso, eles também demarcam um significado particular para a banda, no qual “caminho” representa nossas músicas, que conduzem “aos abismos”, os quais, por sua vez, correspondem à desesperança, à desolação e ao desespero do ser.
A banda nasceu nas terras quentes de Manaus, nas entranhas do estado do Amazonas, em 2007 e como era e como é o cenário atual na capital e no interior do estado? Vocês com essa proposta mais carregada e mórbida, aliando o peso do metal da morte com melodias arrastadas e soturnas, foram bem aceitos no cenário amazonense?
Diego Moriendi – Éramos adolescentes quando fundamos a banda. Tudo naquela época era muito intenso. Íamos a shows, bares e reuniões nos quatro cantos da cidade. Apesar de uma certa precariedade em relação a locais para a organização de eventos e de gravação dos materiais das bandas, o cenário era pulsante. A principal mudança que observo daqueles dias para hoje está relacionada aos shows com bandas de outros estados e internacionais, que vêm acontecendo em Manaus com maior frequência. Apesar de, hoje em dia, não ter tanto tempo livre para frequentar tantos shows como gostaria, continuo me fazendo presente nessas confabulações na medida do possível. Em relação a como fomos recebidos no cenário, posso dizer que, de certa forma, fomos sim bem acolhidos pela maioria. Mas, claro, em um cenário onde imperava (e ainda impera) o Thrash e o Death Metal, nossa proposta musical gerou desconforto em alguns. Imagina a cena: o cara está lá, curtindo uma apresentação, dando vários stage diving e participando de mosh pit e na sequência entra para tocar uma banda com músicas lentas, longas e arrastadas. Não tinha como não incomodar.
Realmente a gente que mora no Sul do Brasil e acompanha o verdadeiro Underground escutamos muito falar da cena do Norte e Nordeste do País, e acho que a cena daí ainda é mais intensa e os metalheads ainda tem aquela paixão e devoção ao submundo. Pois é, Diego, no Brasil a cena sempre apoiou mais o Thrash Metal e o metal extremo e não conseguem dar o mesmo valor/apoio ao Doom Metal. Se bem que hoje as coisas melhoraram. Temos ótimas bandas que executam sinfonias tristes com maestria, temos festivais voltados ao estilo e inclusive fanzines e canais no YouTube, que dão suporte ao arrastar das correntes. Você tem alguma ideia porque o Doom Metal ainda tem poucos admiradores e apoiadores no País?
Diego Moriendi – Realmente, temos ótimos eventos, zines e, sobretudo, excelentes bandas de Doom Metal. Quanto ao motivo do pouco apoio, sinceramente, não faço ideia. Talvez seja apenas uma questão de gosto. Na verdade, nunca me debrucei sobre tal questão. Todas as minhas ações dentro do Doom Metal são movidas pelo meu enorme apreço por esse tipo de música. Faço sem me preocupar se terei apoio ou não.

Em 2011, vocês lançaram uma demo chamada “Da Escuridão”. Você pode nos dizer como foi o processo de criação das músicas, produção e aceitação da mesma no submundo da época?
Diego Moriendi – Na verdade, essa demo foi lançada em 2009. Nela constam as primeiras músicas que compusemos. Tínhamos uma dificuldade enorme em relação ao acesso a instrumentos musicais e locais para ensaio. Realizamos alguns ensaios e apresentações entre 2007 e 2008 e achávamos que estávamos preparados para gravar. Ledo engano. A gravação foi feita ao vivo em estúdio, de forma bem malfeita. Foi um período conturbado; ficamos sem baixista no dia da gravação e tivemos que gravar sem baixo, pois o estúdio já estava reservado. Enfim, não gosto do resultado da gravação, mas entendo que ela reflete diretamente nossa inexperiência. Por conta disso, distribuímos pouquíssimas cópias em CD-R, acredito que não mais de 30 unidades. Naquele mesmo ano, a Bosque Produções lançou 66 cópias de “Da Escuridão” , uma versão K7, que conta com um cover de Nightmare, do Sarcófago. Ainda assim, os feedbacks que recebi na época foram positivos.
Depois surgiu o split “Mórbidos Dizeres” (2014) com a banda mato-grossense Labore Lunare. Como rolou essa parceria entre as bandas? Eu ouvi no bandcamp da banda e gostei muito! Aliás, aquela capa ficou magnífica! Vocês ficaram satisfeitos com esse split ?
Diego Moriendi – Recebemos um convite do nosso amigo Chico para lançarmos algo pelo seu selo, Amazon Black Forest. Como tínhamos apenas duas músicas gravadas – Lascivo Trono e Devaneios Que Despertam Recônditos Desejos, – optamos por um lançamento em formato split. A ideia era dividir o lançamento com uma banda que, assim como nós, tocasse Death/Doom Metal cantado em Língua Portuguesa. Entrei em contato com a Labore Lunae por meio de seu vocalista, Raphael, com quem já mantinha contato, e eles aceitaram. Foram lançadas apenas 100 cópias de “Mórbidos Dizeres”, que se esgotaram em cerca de dois meses. Musicalmente, gosto bastante deste split, mas confesso que a parte gráfica me incomoda um pouco, pois, devido a uma falha na gráfica, a impressão ficou escura e meio borrada. A concepção artística da capa foi elaborada por mim e desenvolvida pelo desenhista Emerson Maia. A ideia era representar ambas as bandas, por isso nela constam: a lua, representado a Labore Lunae; e a caveira, simbolizando a …Do Fundo…Abismo.
Mas diga-se de passagem as artes que vocês usam nas capas dos discos e folders digitais, eu acho sombrio e belo ao mesmo tempo. Você acabou de me dizer, que você que cria essa parte visual e estética da banda. Você tem influências de outros artistas que trabalham com artes visuais e design digital? E como você avalia o trabalho de vocês com o mestre dos desenhos Emerson Maia? Aliás, nos dias atuais temos vários artistas ótimos nessa área, né ?

Diego Moriendi – Sou o responsável por toda a concepção artístico-visual da banda, desde o nosso logotipo até as artes que compõem os encartes, flyers e cartazes. O Anderson – que é um dos fundadores da …Do Fundo…Abismo – quando estava na banda, também ajudava bastante nessa parte. Na verdade, ele, que é um exímio ilustrador e designer gráfico, era o responsável por dar vida às ideias. Sou apaixonado por artes visuais, desde as pinturas clássicas – Goya, sem dúvida, é meu pintor favorito – até as manifestações underground, como as do Phlegm, por exemplo. Mas, para a banda, tendo a me inspirar mais em engravings e pinturas que tenham relação direta com as representações da morte. Em relação ao trabalho do Emerson Maia, posso dizer que ficamos satisfeitos. Além da capa do “Mórbidos Dizeres”, ele também elaborou para nós um escudo e um logotipo alternativo. Concordo com você no que tange ao crescente número de artistas qualificados que temos hoje no nosso underground. Alguns cujo trabalho aprecio são: Cauê Piloto (responsável pela arte do nosso full), Giotefeli (responsável pela arte do single SVB VMBRA), Ars Moriendee, Márcio Blasphemator, Lucas Darkpen, Jeca Paul, Hugo Silva, Rodrigo Bueno, Felipe NHSH e Nocto Mostellum, entre outros. Este último, inclusive, fez a capa do EP da minha outra banda – Mors Liturgiae. Não sei como as bandas ainda não descobriram a arte do Mostellum; ela é simplesmente sensacional.
Finalmente a banda lançou o seu debut-cd :Caminho Que aos Abismos Desce.(2024) Como foi o trabalho em estúdio e como foi o processo de gravação, e vocês ficaram satisfeitos com os resultados finais ou hoje mudaria algo neste trabalho?
Diego Moriendi – Toda a parte instrumental do álbum foi gravada entre 2017 e 2018. Foi um processo um tanto desgastante, pois gravamos a bateria no Tupira Studio, a guitarra no Umbra Gaia Studio e o baixo na home studio do nosso baterista. Depois disso, tivemos que dar uma pausa, pois precisávamos nos dedicar a outras atividades de nossas vidas pessoais. Quando decidi que era o momento de gravar os vocais e finalizar a gravação, veio a pandemia de COVID-19. Em seguida, fui cursar o mestrado e minha atenção ficou voltada para os estudos. Logo que as coisas melhoraram – com a aplicação da vacina a defesa de minha dissertação – decidi que era o momento para finalizar as gravações. Então, gravamos os vocais no Fubica Studio com a Mady, que inclusive, foi a responsável pela produção do álbum. Ficamos totalmente satisfeitos com o resultado e não mudaríamos nada, pois, “Caminhos Que Aos Abismos Desce” representa o ímpeto subversivo que, anos atrás, nos uniu e nos levou a fundar a …Do Fundo…Abismo. Além disso, marca o desfecho de um longo capítulo na história da banda, pois agora, dos fundadores, apenas eu permaneço.
Pois é, no Brasil não é fácil ter uma banda de Metal! Tudo é mais difícil, mas felizmente se faz e persiste por amor à música, não é mesmo!? Cara, parabéns pela sua dissertação e parabéns pelo ótimo disco lançado! Por que vocês optaram por lançar “Caminhos Que Aos Abismos Desce” de forma independente e como está sendo a respostas de público e mídia especializada a esse artefato bélico?
Diego Moriendi – Obrigado. Na verdade, nosso álbum foi lançado pela Lys Aeon Productions, um antigo selo aqui de Manaus. Apesar das poucas cópias distribuídas até então, pois os CDs ficaram cerca de quatro meses retidos na transportadora, temos recebido ótimas críticas tanto da mídia quanto do público.
Pois é, eu recebi o vosso trabalho pelo correio e resenhei ele. E inclusive,citei a Lyz Aeon Productions, nas resenhas. Mas fui pesquisar no Google e no Arquive Metal estava como independente e pensei que tivesse lido errado as informações na contracapa. Mas enfim, como rolou a parceria com o selo e qual foi o problema por ficar 4 meses retidos na transportadora?

Diego Moriendi – Nosso perfil no Metal Archives contém alguns erros, e esse é um deles. A parceria com a Lys Aeon Productions ocorreu de forma tranquila. Eloy (proprietário do selo) e eu somos amigos há muito tempo e sempre conversamos para lançar algum trabalho da …Do Fundo…Abismo, e acabou sendo o debut. Quanto ao problema com a transportadora, ocorreu o seguinte: nós tínhamos um show agendado para o dia 04/10/2024 e pretendíamos lançar nosso CD nesse evento. Para tanto, a Lys Aeon solicitou à empresa responsável pela prensagem dos CD’s que enviassem 50 cópias via SEDEX e o restante por transportadora. No entanto, a empresa despachou os 50 CD ‘s com um dia de atraso em relação ao prazo combinado, e, consequentemente, eles não chegaram a tempo para o evento. Os demais CD’s, além do prazo normal do transporte, ficaram retidos por um tempo na transportadora, sob alegação de que uma taxa deveria ser paga porque o endereço de destino não era de pessoa jurídica. Só descobrimos essa exigência depois de comunicar à empresa de prensagem sobre o atraso na entrega.
Você também montou um projeto em 2023, chamado:Mors Liturgiae. Na verdade é um duo voltado ao Death Metal com uma pegada old school. Como surgiu essa conexão, você morando em Manaus, Amazonas e Shi, em Piracicaba,SP?
Diego Moriendi -A ideia para a Mors Liturgiae surgiu ainda nos primeiros anos da …Do Fundo…Abismo. Assim que decidi colocá-lo em prática, convidei o Anderson (ex-guitarrista da …Do Fundo…Abismo), pois ele estava a par das ideias que norteavam a Mors Liturgiae e as compartilhava. Chegamos a iniciar o processo de composição, mas, infelizmente, ele não pôde continuar. Foi então que me lembrei do Shi, um músico formidável (vide seus projetos musicais) e profundo conhecedor do underground, com quem mantinha contato via redes sociais. Expliquei-lhe quais eram as ideias e pretensões do projeto, e ele aceitou integrá-lo. O processo de composição do nosso EP de estreia, “Cadavernaculum”, lançado pela My Dark Desires Records, deu-se de forma tranquila, tendo a internet como nossa grande aliada na criação desta obra. Hoje somos um duo de Sepulchral Death/Doom Metal
Em 2024, vocês lançaram o EP “Cadarnaculum” e com apoio do selo My Darkness Desires. Como foi o contato com o selo e vocês estão satisfeitos com o trabalho da gravadora?
Diego Moriendi – Disponibilizamos o single Inerme aos Vermes nas plataformas de streaming, e o Léo, proprietário da My Dark Desires Records, ouviu e entrou em contato comigo, tecendo elogios à música. Conversamos, e ele manifestou interesse em lançar nosso material. Estamos bastante satisfeitos com essa parceria que culminou na materialização de Cadavernaculum.
Vocês moram longe,aliás bem longe,né um do outro. Como surgiu as músicas e como foi o processo de gravação e composições desses hinos supulcrais?
Diego Moriendi – Como falei anteriormente, toda a concepção que norteou a criação da Mors Liturgiae é antiga, inclusive as ideias para a estrutura das músicas. Nosso processo de composição é baseado em muita troca de arquivos, que vamos produzindo e lapidando até chegarmos a um resultado que nos agrade. Pode parecer demorado, mais não é. Assevero que nossas elucubrações musicais acerca da criação do som que praticamos casaram perfeitamente. No Cadavernaculum, por exemplo, nosso processo de composição funcionou da seguinte forma: elaborei as ideias de andamento e atmosfera de como as músicas deveriam soar e as passei para o Shi, juntamente com a letra e alguns rascunhos de músicas em arquivos de áudio. Com base nesse material, ele fez a transposição de minhas ideias e as aprimorou com sua implacável percepção musical. Depois disso, o próprio Shi mixou e masterizou nosso EP.
Vocês usaram latim para nomear a banda. E também para o nome do trabalho. Porque escolheram essa língua antiga para dar nome à banda e o que significa “Cadavernaculum”. Mais uma vez algo relacionado à filosofia, no caso ao Mito Da Caverna, de Platão. Gostaria que você divagasse mais sobre o nome Cadavernaculum se está relacionado ao Platão, ou não?
Diego Moriendi – A Morte é a fonte inspiradora de nossas músicas. Nelas, versamos sobre suas representações social, cultural, religiosa, filosófica, artística e histórica, ressaltando seus aspectos imaginários, suas práticas e sua materialidade. Optamos por grafar o nome da banda com essa língua morta devido à sua beleza poética. O título de nosso EP, Cadavernaculum, é uma palavra inventada por nós e possui duas acepções: a primeira, “Língua da Morte”, a partir da junção das palavras cadáver e vernáculo; a segunda significa o “Lugar da Morte”, a partir das palavras cadáver e tabernáculo. Portanto, não há qualquer ligação com Platão. Nosso EP simboliza a demarcação de nosso lugar no território sepulcral da Morte – nosso lugar no locus mortis, de onde, por meio de nossas músicas, fazemos ressoar a lingua mortis.
Você Diego (XIII) é o vocalista e Shy encarregou-se do baixo, bateria e guitarras, certo. Você contribui com a parte lírica das letras do Mors Liturgiae também vão nessa linha mais filosófica assim como são as letras da Do…Fundo…Abismo. Quais as diferenças nas letras e músicas entre ambas as bandas, e você tem fascínio por esse tema da morte em suas líricas, né ?
Diego Moriendi – Musicalmente, ambas as bandas comungam do mesmo radical: o Doom Metal. A …Do Fundo…Abismo pratica um Death/Doom Metal mais arrastado e lento – com algumas nuances de Funeral Doom –, um tanto quanto inspirado na fase clássica do Death/Doom. Já a Mors Liturgiae, além de manter as características básicas do Doom Metal, possui um alinhamento com o Death Metal, sobretudo no Old School Death Metal. A Morte, sem dúvida, é minha musa inspiradora. A Mors Liturgiae é totalmente dedicada às suas liturgias. Já na …Do Fundo…Abismo, até o momento, retratamos uma visão introspectiva e artística da Morte. A partir de agora, com a nova formação da banda, optei por deixar os assuntos atinentes à Morte para a Mors Liturgiae, e a …Do Fundo…Abismo versará sobre tudo que é sórdido, ressaltando nossa predileção pelo grotesco. Mas, é claro, uma hora ou outra a Morte se fará presente.
Você além de músico e produtor, também edita um Zine impresso. Como surgiu essa vontade de editar um artefato voltado ao Doom Metal? Aliás,parabéns pelo teu trabalho com o Mors Venit Zine!
Diego Moriendi – Minha relação com esse tipo de publicação nasceu em concomitância com a criação da …Do Fundo…Abismo, motivada pela minha vontade de fazer algo para além de ouvir música. Em 2007, criei e lancei a primeira edição do meu antigo zine chamado TorqueatuR Zine. Lancei mais duas edições até 2009, quando então resolvi dar um tempo. Retornei com o TorqueatuR em 2016, com a quarta edição, totalmente dedicada ao Doom Metal brasileiro. Vale ressaltar que, a partir da segunda edição, contei com a ajuda do Alberto, ex-baixista da …Do fundo…Abismo, no processo de edição do zine e na quarta edição, o Anderson, ex-guitarrista da …Do Fundo…Abismo, foi o responsável pela diagramação. Nesse meio tempo, pensei em escrever um livro sobre a história do Doom Metal nacional, mas desisti por conta de todo o dispêndio de tempo e capital que isso demandaria. Em vez disso, optei por criar outro zine: o Mors Venit Zine, que tem como objetivo divulgar a música desgraçada e lamacenta brasileira. Até o momento, lancei três edições. A ideia era lançar uma edição por ano, mas precisei dar uma pausa por conta dos meus estudos. No entanto, já estou trabalhando na quarta edição, que deve ser lançada ainda este ano.
Como já comentamos no decorrer desse bate-papo hoje em dia, o estilo Doom Metal tem um pouco mais de apoio no cenário underground, que no início dos anos 90, se falando de Brasil,né ? E além de bandas e festivais voltados exclusivamente ao estilo, temos zines próprios para divulgar o estilo fúnebre e arrastado. Eu gosto muito do Armagedoom Zine, de Teresina – PI e gostei muito de seu trabalho com o Mors Venit, tanto na parte visual e escrita. E quais os critérios que você usa para uma banda figurar nas páginas do vosso Zine?
Diego Moriendi – Cara, eu estava conversando com o Carlos recentemente, e ele me informou que, infelizmente, estava encerrando as atividades do Armagendoom Zine. Uma pena! Os critérios que uso para escolher as bandas a serem entrevistadas no Mors Venit Zine são basicamente três: a banda não ter nenhum alinhamento com o fascismo, não ser white metal e eu gostar do som deles.
Diego, além desses dois artefatos subversivos de escritas fúnebres você tem contato ou admira outros zines nessa pegada “doomers” para indicar aos amantes do estilo? E quais outros fanzines impressos tem sua admiração e respeito?
Diego Moriendi – Sei que antigamente existia o Agonizando na Solidão, do Adauto Dantas, mas hoje em dia não conheço mais nenhum zine dedicado exclusivamente ao Doom Metal. Tenho gostado das produções dos seguintes zines: Pecatório Zine, Manifesto Em Fúria Zine, Sepulchral Voice Zine, Maléfica Existência Zine, Akkeldama, BlackHeart, Warfare Book, Desgraça Zine, Revelações Abissais Zine, Umbra Sinistra Armamento Bélico Zine, Pagan Vastlands Zine e Gospel Below. Esse último, inclusive, recomento fortemente. Também indico o site metalbrasileirozines.com.br – os caras estão fazendo um excelente e necessário trabalho de resgate dos zines brasileiros.
Sim, é muito legal o trabalho do Ricardo Zonta e esse trabalho dele em digitalizar a história dos fanzines, no mundo digital. Eu tenho uma edição do Agonizando em Solidão Zine, na minha coleção! Acabei de ver nas redes sociais que a quarta edição do Mors Venit está a caminho. Você pode nos dar mais detalhes da próxima edição?
Diego Moriendi – O que posso adiantar é que a quarta edição manterá a tradição de prezar pela qualidade gráfica e de conteúdo que sempre foi uma marca do Mors Venit Zine. Além disso, a tiragem será maior do que nas edições anteriores — um reflexo do crescimento do interesse pelo zine e também do compromisso em fazer esse material chegar a mais mãos que valorizam a música maldita e arrastada e a produção independente nacional.

Diego, você é muito ativo no underground da sua região. Você também é produtor de eventos na produtora “Amazon Dark Forest” poderia nos dar mais detalhes de vosso trabalho por trás dos bastidores e quantos eventos você já produziu pela sua produtora e quais bandas já estiveram no cast?
Diego Moriendi – Na verdade, a produtora se chama Nænia Produções, Amazon Dark Forest é o nome do evento que organizamos. Alberto (ex-baixista da …Do Fundo…Abismo) e eu montamos a produtora em meados de 2012, com intuito de fomentar shows underground. De lá para cá, organizamos oito edições do Amazon Dark Forest, que contaram com apresentações das seguintes bandas:
• 1ª edição (2012): Myrho, Evilway, Evil Syndacate e …Do Fundo…Abismo;
• 2ª edição (2012): Platoon, Myrho, Vomitnoise, Netzach e …Do Fundo…Abismo;
• 3ª edição (2013): Heresya, Myrho, Numbness e …Do Fundo…Abismo;
• 4ª edição (2015): Holodomor e …Do Fundo…Abismo;
• 5ª edição (2016): Abske Fides, Holodomor e …Do Fundo…Abismo;
• 6ª edição (2017): Jupiterian, Incessant Damnation e …Do Fundo…Abismo;
• 7ª edição (2018): Vazio, Netzach, Sons of Satan e Infandvm;
• 8º edição (2024): S.D.M, Katharzian e …Do Fundo…Abismo.
Só bandas matadoras! Sons Of Satan, acho uma banda foda! Descobri a banda em uma edição que o Carlos do Pecatório Zine entrevistou a tecladista Aline Bonates. Futuramente conheci a Aline, que era de Manaus, (AM) e hoje reside no sul do Brasil, mais precisamente em Blumenau. Recentemente entrevistei ela falando da sua entrada na banda Pain Of Soul. E fiquei sabendo que ela entrou como tecladista na Alocer, black metal de Jaraguá do Sul.(SC) Aline, é gente boa! Mas enfim, cara, você tem uma produtora, já organizou várias edições do seu festival. Aliás, só bandas fodas participaram em seu evento. O que você acha desses produtores picaretas que entram no submundo organizando eventos e logo depois dão calotes em todo mundo. Aqui no sul tivemos três. Juliano Ramalho (Zombie Ritual) ano passado tivemos o Bruce da Necrovoid Produções e agora esse cara da M.A.D. e fora a furada no Maranhão. Por que a nossa cena continua apoiando esse tipo de picaretas e onde os caras erram na sua opinião?
Diego Moriendi – Não esqueçamos do Maranhão Open Air. (M.O.A.) Cara, os eventos que organizamos são pequenos e têm como finalidade o fomento do underground. Fazemos isso sem a pretensão de ganhar dinheiro, porque amamos o Metal. Pelo contrário, sempre tivemos gastos. Acho totalmente contraproducente e vexaminosa a atitude de produtores que “somem” com o dinheiro do público e das bandas. Isso é estelionato cultural! Eles deveriam responder criminalmente. Me livre nos últimos segundo de passar por aquele sufoco que foi o M.O.A, mas, infelizmente, estive no Zombie Ritual de 2014 e presenciei algumas situações constrangedoras. Sobre a Aline, ela é uma querida amiga. Desejo sucesso em suas novas empreitadas.
Ah, você esteve no finado Zoombie Ritual!? Perdi só a primeira edição e depois estive em todas! Aproveitando o gancho, o que você conhece da cena do Sul do Brasil? Tens contatos com metalheads, fanzineiros e quais bandas têm o vosso apoio aqui do sul do país?
Diego Moriendi – Sei que o Sul foi um profícuo celeiro de bandas. Gosto bastante das bandas: Serpent Rise, A Sorrowful Dream, Arcanym XIII, M26, Vetitum e Blood Tears (Rio Grande do Sul); Lachrimatory, Eternal Sorrow, Lugubrious Hymn, Maelström, Féretro e Cassandra (Paraná); e Vulkro, Pain of Soul, Lacrima Mortis, Ruínas de Sade e Volkmort (Santa Catarina). Essas são as que me lembro no momento. Vale lembrar ainda do Eclipse Doom Fest, que tem como berço a cidade de Joinville – SC. Quanto a zines, o único com o qual tenho é com o Maléfica Existência, que, por sinal, é editado por você.
Para finalizar esse bate-papo que ficou demasiado longo, gostaria que você indicasse três bandas de Death Doom Metal nacional e três internacionais que você acha importante para o cenário do metal?
Diego Moriendi – Primeiramente, gostaria de agradecer pelo interesse em meus projetos e ações dentro do underground. Aproveito para informar que a …Do Fundo…Abismo está com nova formação: agora integram a banda Ars Abyssus (guitarra) e Cesar Zystus (Guitarra/Bateria). Já estamos trabalhando nas novas composições. Com a Mors Liturgiae, estamos alinhando o planejamento para gravação de nosso full-length. Também estou nos preparativos para lançar outros dois projetos musicais — frutos de antigas inquietações que agora necessitam ganhar vida. Minhas indicações são: Oráculo (Manaus), Cantas ad Mortuos (Fortaleza) e Abske Fides (São Paulo); Reverend Bizarre e Swallowed (Finlandia); e dISEMBOWELMWNT (Austrália). ARS LONGA, VITA BREVIS! Meu caro, muito obrigado pelo tempo cedido para nós! Considerações finais e força-sempre!!!