Entrevistas

DEATH N´DARKNESS PREVAILS – em nome das raízes do metal negro

Uma amizade de 30 anos é algo raro em dias de relações líquidas, mas conversar com o grande irmão Belchior (ex-Infected) é uma grande prazer, ainda mais porque ele vez com novidades metálicas que é o lançamento, em breve, do 1° álbum do seu novo projeto: DEATH N´DARKNESS PREVAILS, um trabalho onde ele se uniu ao ex-vocalista do Malkuth, Nightfall e a mais alguns músicos convidados para compor, gravar e lançar “In the Name of Lust and Sin”, um álbum que traz um black metal totalmente calcado nos velhos tempos e que será lançado em breve pela DEAD PARADISE RECORDS. Conversei com Belchior e Nightfall sobre esse material.  Confiram abaixo:

Grande Belchior, recentemente pude ouvir as músicas do DEATH N´DARKNESS PREVAILS e fiquei impressionado com a qualidade do material. Há um retorno à escuridão e ao mal (darkness and evil) dos velhos tempos do black metal. Como surgiu a ideia de criar esse projeto?

Belchior: Fabio como vai você cara? Pois é, o resultado final foi bastante satisfatório sendo um trabalho que foi executado basicamente por duas pessoas em países diferentes (Eu gravei todo o instrumental, e vocal em uma das músicas (Evil Spirit) aqui nos EUA e o Nightfall (Ex- Malkuth) fez o restante das vocalizações no Brasil). Toda a parte instrumental foi gravada no meu estúdio, e eu também fiz a produção então foi muito trabalho e contando com pouca experiência profissional especialmente na parte de produção e processo de gravação, a maior parte desses obstáculos foram superados com muita vontade e honestidade comigo mesmo, especialmente com relação as minhas limitações como musico. O surgimento da banda veio com extinção do meu projeto solo, quando finalizei o primeiro e único álbum da BELCHIOR eu já estava um pouco mais experiente nos instrumentos gravados, como também no processo de gravação e melhor uso do estúdio. No início eu estava compondo o que seria o segundo álbum da BELCHIOR, mais nas minhas primeiras tentativas de gravar os vocais ficou claro que aquilo não iria funcionar novamente, a música mudou, e foi preciso deixar as vozes para alguém que pudesse adicionar algo grandioso e inspirador, daí veio a ideia de chamar o Eduardo (Nightfall) para o posto de vocalista e com essa mudança de one-man band para um projeto maior (novo vocalista e algumas participações de outros músicos)naturalmente senti a necessidade de também mudar o nome do nosso projeto para algo menos pessoal, o Nighhtfall sugeriu DEATH ‘N’ DARKNESS PREVAILS e eu achei que seria o nome perfeito para o tipo de música que estávamos criando. Dessa maneira eu enterrei a BELCHIOR para sempre, já que minha intenção desde de o início foi o de lançar no máximo um álbum’ e essa ponte já tinha sido cruzada pela BELCHIOR em 2015.

Falando no termo projeto, o DEATH N´DARKNESS PREVAILS realmente é um projeto ou você planeja executar esse trabalho ao vivo com músicos convidados?

Belchior: Eu não acredito que tocaremos ao vivo, moramos em países diferentes e o maior motivo na verdade é que não quero tocar esse material sem conseguir representar o que está gravado com a mesma qualidade e energia contida no álbum. O motivo de ter me envolvido com produção e gravação de instrumentos diferentes em uma one-man band foi exatamente as dificuldades que encontrei no início, quando estava em busca de uma banda para executar minhas músicas e o que encontrei no fim foi muito decepcionante e de nenhum resultado positivo, uma total perda de tempo, e isso me fez direcionar o meu foco exclusivamente para o estúdio, e assim cada vez mais me distanciando da possibilidade de fazer esse som ao vivo.

Musicalmente falando a sua música bebeu muito da velha escola do metal negro. Dá para perceber o sangue de bandas como Venom, Bathory, Piledriver, Bulldozer, entre outras. Quais seriam as suas maiores influências na criação desse primeiro trabalho?

Belchior: As minhas influencias estão bem evidentes no álbum, e você já citou a grande maioria, VENOM, BATHORY, RUNNING WILD, CELTIC FROST, MERCYFUL FATE, PILEDRIVER e menos conhecidas mais bastante adoradas pelos amantes do metal negro underground, bandas como TORR, MASTER’S HAMMER, KAT, DELIVERANCE (UK), CROWLEY (Japão), DEATH SS …. Se somarmos tudo isso com algumas influencias de bandas fora do radar da cena metal, como ELP, GENTLE GIANT, VAN DER GRAAF GENERATOR, KING CRIMSON, MAGMA, GONG, ARTHUR BROWN KINGDOM COME (entre outras) você consegue entender melhor de onde vem a inspiração final para a música do DNDP.

Capa do álbum “In the name of Lust and Sin” (2020)

Antes do DEATH N´DARKNESS PREVAILS você lançou um outro projeto invocado em chamas com o nome BELCHIOR. Musicalmente falando há similaridades entre as duas propostas? Porque não gravar um novo álbum do Belchior e vir com outro projeto?

Belchior: Como expliquei vagamente acima, o projeto inicial da BELCHIOR foi um lance muito rápido e sem muito planejamento, gravei duas músicas e passei para alguns amigos, um deles foi o Savio (Hellhammer fundador da grande LORD BLASPHEMATE) que ao escutar ofereceu de lançar um álbum no Brasil mesmo sabendo que eu tinha apenas 2 músicas prontas, daí foi um processo complicado, mais motivado pela confiança que o Savio teve em mim. Canalizei tudo em uma meta de criar um álbum que fosse satisfatório para o metal underground e não apenas “mais um” nesse oceano de bandas. O problema é que após o primeiro e único álbum da BELCHIOR eu já não conseguia cantar com a mesma inspiração, era como se eu tivesse testado os meus limites como vocalista no 1o. álbum e esgotei tudo ali, não consegui traduzir a mesma energia para o segundo, a fonte tinha secado e quando finalizei o vocal para EVIL SPIRIT eu sabia que seria a última música cantada por mim daquele momento em frente.  A respeito das similaridades entre BELCHIOR e DNDP é um processo que existe naturalmente, minha música sempre carregara minhas características pois gravo e componho tudo sem nenhuma interferência externa então naturalmente você vai encontrar muita coisa em comum na minha maneira de compor em qualquer projeto que crio ou participo. Quero que quando os ouvintes escutem os primeiros acordes de guitarra já saibam imediatamente que é um trampo meu, assim como quando escutamos qualquer parte de qualquer música do CELTIC FROST por exemplo, esse é o nível de identidade e criação que tento manter.

Além de você o outro nome envolvido foi o do ex-Malkuth, Nightfall nos vocais. Como rolou esse convite? O vocal dele no álbum realmente está muito fudido. Há mais participações especiais?

Belchior: O lance com o Eduardo (Nighhtfall) foi bem natural, somos amigos por mais de 30 anos e sempre gostei da maneira que ele gritava com ódio na época em que esteve no MALKUTH. Mesmo estando afastado da cena underground como musico eu sabia que a chama nunca tinha apagado e que ele estaria pronto para a batalha quando fosse preciso, o Eduardo é também um amante do metal negro underground e tem bastante experiência para fazer o projeto fluir, e o resultado foi muito melhor do que o eu esperava, fiquei bastante satisfeito com o trabalho de vocal e como ele conseguiu absorver a energia que gira em torno das minhas composições. Também convidei alguns amigos de infância e outros amigos mais recentes para me ajudarem na conclusão do álbum (na grande maioria guitarristas para solos), Alejandro Flores (ex DECOMPOSED GOD e INNER DEMONS RISE) gravou o solo de guitarra final da musica VICTORY MARCH, Eli Firicano (guitarrista das bandas RAVAGE e IRON WILL) gravou o solo inicial de THE SEED e todas as guitarras no cover de SACRIFICE do VENOM, o Carlos Aranha (Ex CRUOR) gravou o solo no meio de THE SEED, também contei com Diego D’Urden e Lord Matzigkeitus(O Lord Matzigkeitus também fez o vocal principal no cover de SACRIFICE do VENOM) no backing vocals de EVIL SPIRIT. Todo o restante foi gravado por mim com vocais do Nightfall.

Nightfall gravando os vocais para o álbum

Nightfall, você estava afastado de bandas há um bom tempo, estou correto? Como foi trabalhar nos vocais desse lançamento? Você procurou fugir das suas vocalizações em bandas anteriores?

Nighhtfall: Sim, passei um tempo fora deste mundo e na verdade ainda estou, mas depois da concretização deste projeto com o Antônio de Melo (Belchior) tudo mudou, consegui captar a essência musical dele e transpor as vozes de uma maneira super natural, queremos que o ouvinte feche os olhos ao escutar nosso material e seja invadido de pura nostalgia, somos 2 velhos que temos influências distintas porém vinda da mesma escola, talvez notem uma voz mais ranzinza e de um metalhead decrépito mais fiel as suas origens…

Conheço você a quase 30 anos e sua ligação com o metal da velha escola é notório. Na sua opinião o que diferencia o material feito naquela época com o que é feito hoje em dia? Que bandas atuais você aprecia?

Belchior: Minha ligação com o metal da velha escola existe em muito porque eu participei de tudo que estava sendo criado nos anos 80 em tempo real, quando os anos 90 chegaram eu estava imerso no movimento Death Metal da época mais nunca deixei de lado as minhas raízes oitentistas e até hoje o metal antigo é o que domina 90% das minhas influencias quando estou compondo as músicas. Acho que existe uma forte engrenagem atual para manter o metal vivo mais aquela inocência e energia do início são coisas que não vão ser possíveis de serem recriadas, tudo era orgânico e muito batalhado, trocas de fitas cassetes, zines, shows locais tudo isso mudou muito e muitas vezes se extinguiu totalmente, então eu sou grato pelas novas bandas, público e veículos de divulgação que não deixam o metal morrer, mais sinto muita falta de como tudo era feito no início.  Bandas atuais …. Bem, sou colecionador de LPs e CDs e quando você tem um grande volume de álbuns (mais ou menos 8000), pelo menos para mim, é dentro desse mundo que você vai concentrar a maioria das suas audições. Não tenho muito contato com a cena atual, e a maioria das bandas novas que me agradam ou vem como uma cópia descarada de alguma banda clássica ou me remetem aos tempos de ouro do metal underground, então até as bandas novas que gosto soam como antigas. Tenho escutado um pouco do NECROT “Mortal”, ESOCTRILIHUM “Eternity Of Shaog”, LANTERN “Dimensions” e BEDSORE “Hypnagogic Hallucinations”, mais não possuo nenhum desses títulos em minha coleção, pessoalmente eu prefiro me concentrar nos álbuns dos 80/90 que gosto e que ainda não possuo.

Eu não lembro de ter visto o título do álbum. Ele será autointitulado ou há um título ainda não divulgado? Como foi todo o processo de criação e gravação desse material já que você gravou tudo e o Nightfall colocou as vozes aqui no Brasil?

Belchior: O título do álbum é “In The Name Of Lust And Sin” que é também o título de uma das músicas gravadas. Quanto ao processo de gravação foi bem complicado. Eu gravo de uma maneira diferente da maioria dos one-man band músicos que conheço, início tudo com as guitarras e o ultimo instrumento a ser gravado é a bateria e mesmo gostando do resultado final esta forma de gravar é, para mim, muito mais complicada. Outro fator importante é que tenho que evoluir em todos os instrumentos e também como produtor para conseguir reproduzir as ideias que preciso para concretizar o meu produto final, e essas ideias sempre se tornam maiores em minha cabeça que minhas limitações musicais, então o trabalho é gigantesco em muitos casos e também um aprendizado.  O Eduardo gravou tudo em Caruaru- PE / Brasil, sem efeitos, tudo cru mesmo então existiu um outro processo que foi a escolha dos efeitos e como fazer para que tudo soasse como um trabalho homogêneo mesmo tendo sido gravado em lugares/ equipamentos diferentes.

Nightfall (vocal)

Esse material além da sonoridade Black metal que é a linha mestra de todo o material também traz uma clara influência de heavy metal tradicional. A parte do solo em “Evil Spirit” é sensacional e sintetiza isso muito bem. Esse solo foi criado e executado por você também?

Belchior: Sim, Heavy Metal tradicional foi como tudo começou para mim, JUDAS PRIEST, IRON MAIDEN, MANOWAR, SAXON, WARLOCK, ACCEPT, OMEN, OZ… E com certeza continuar sendo uma grande influência em tudo que componho. Quanto à musica EVIL SPIRIT, ela é na verdade um cover do RUNNING WILD originalmente gravado no álbum “Branded And Exiled” , eu gravei todos os instrumentos e vocal principal tendo  ajuda apenas no backing vocals do grande Diego D’Urden (MYSTIFIER, INFESTED BLOOD) e Lord Matzigkeitus vocalista da THE PROJECTIONIST (banda Canadense onde gravei as baterias no 1o. album e metade do segundo). O lance do solo nessa música foi bem interessante, procurei muitos guitarristas para me ajudarem a gravar e no fim nada que recebi foi satisfatório, daí entrei no estúdio e passei mais de 12 horas tentando gravar esse solo (não sou um guitarrista e muito menos para lead guitar), após muita dor de cabeça eu consegui executar toda a parte de guitarra solo e ficou bem próximo do que foi gravado na versão original… Foi um dos meus maiores desafios nesse álbum como também uma das maiores conquistas com absoluta certeza.

O seu selo DEAD PARADISE será o responsável pelo lançamento desse álbum correto? Ele estará¡ disponível no Brasil ou apenas como importado?

Belchior: Sim o álbum será lançado exclusivamente pela DEAD PARADISE RECORDS no Brasil, estou negociando o lançamento em outros selos do EUA, Alemanha, Rússia (em vinil) e Colômbia (em cassete). A decisão de lançar pela DEAD PARADISE foi um pouco difícil porque criei o selo com a intenção de gravar as bandas do meu estado de origem (Pernambuco), bandas essas que tem muito talento mais uma carência enorme de apoio. Eu não queria tirar a oportunidade de outra banda para lançar a minha própria, mais por motivo de logística e conveniência decidi lançar no meu próprio selo.

Belchior, você mora há muito tempo nos Estados Unidos, inclusive constituiu família e sua vida é totalmente aí. Como você tem visto toda essa confusão política que o país tem enfrentado com a eleição presidencial e derrota de Donald Trump. O que realmente deve mudar no dia-a-dia do norte-americano e de quem vive aí?

Belchior (guitarras, baixo, bateria, produção)

Belchior: Aqui nos EUA as últimas eleições foram uma prova de que todo esse sistema agressivamente capitalista formou uma máquina de interesses paralela ao bem-estar do homem comum. Donald Trump foi, e ainda é visto como um salvador para os que se tornaram ameaçados pelo fato de que tínhamos um presidente que era negro (Obama). Ele (Trump) é a face do autoritarismo, quase que um chefão mafioso, um cara sem escrúpulos e valores morais básicos e totalmente focado em dinheiro e investimentos (para seus próprios ganhos) sem respeitar nenhuma regra que tente parar ou diminuir a sua fome de poder. De agora em diante vamos ter que falar historicamente do antes e depois Donald Trump, tudo aqui se tornou dividido e as notícias são distorcidas e exploradas por emissoras de TV que se alimentam de audiência e assim fazem de tudo para conquistar as pessoas ignorantes que não tem senso crítico, e essa é uma grande fatia da população americana atualmente.

Foi um prazer conversar contigo. O THE OLD COFFIN SPIRIT está sempre de portas abertas para você e seus projetos.

Belchior: Sempre um grande prazer de poder divulgar meus trabalhos no THE OLD COFFIN SPIRIT meu caro amigo. Precisamos de mais bangers com essa dedicação, são pessoas como você que tornam o metal forte e imortal.

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