Lançado em 17/05/2024
Eu não tenho nenhuma dúvida que Mike Browning é um dos músicos mais geniais da cena extrema norte-americana e isso tem sido colocado à prova desde o lançamento do debut álbum do grupo Nocturnus, lá nos anos 90. “The Key” foi um divisor de águas mundial. Não existia nada como aquilo antes e me arrisco a dizer que nunca saiu nada como aquilo depois. Era uma visão absolutamente única da música extrema, com sua brutalidade característica, mas indo além, inserindo teclados (algo considerado quase que como uma heresia no cenário da época) que beiravam a insanidade, riffs de guitarra que em alguns momentos lembravam o Morbid Angel (banda que Browning havia feito parte anos antes), mas que no geral estavam imprimindo sua própria marca.
A banda ainda lançaria um segundo álbum, ainda mais desafiador e que ao meu ver sofreu muito com a sua produção. Eu sempre achei que a mixagem ou masterização tinham deixado o álbum abafado, com um som sem vida. Musicalmente tinha perdido um pouco da agressão, mas mostrava o Nocturnus em seu auge criativo. Infelizmente foi o último álbum com aquela pegada. Em 1999 outra formação chegou a lançar um álbum que não teve um grande impacto, apesar de músicas até interessantes. O vocal ali foi gravado por Ed Mowery, da banda Tiwanaku. Por questões legais Mike Browning foi impedido de continuar usando o nome Nocturnus e assim, em 1999, nasceu o NOCTURNUS AD. O primeiro álbum dessa nova encarnação foi “Paradox” (2019), que retomou o que havia sido feito em “The Key”, o que foi uma grata surpresa. Um álbum muito bom.
Agora em 2024 temos finalmente um novo trabalho da banda intitulado “Unicursal” que, ao meu ver, repete em certos aspectos a própria trajetória do outrora Nocturnus. Enquanto “Paradox” tinha uma atmosfera mais aproxima de “The Key”, esse novo álbum dá um passo adiante e abraça uma abordagem musical e lírica muito mais complexas, como em “Thresholds”, de 1992. Felizmente a produção não seguiu o mesmo caminho e temos um álbum com excelente produção.
“Unicursal” não é um álbum simples. Não mesmo. Ouvidos medíocres vão detestar isso aqui, já que não vão compreender de forma alguma o nível de complexidade aqui apresentada. Mas é exatamente nessa complexidade que mora a maior qualidade do NOCTURNUS AD enquanto entidade de composição.
Após uma Intro, a primeira faixa apresentada é carregada de agressividade. “The Ascension Throne of Osiris” começa rápida e com energia. O riff aqui é intrincado e a atmosfera revestida de dramaticidade. É uma composição que é uma cartão de visitas perfeito para o álbum.
“CephaloGod” continua a experiência e aqui as características espaciais da banda estão mais presentes, com um uso interessante dos teclados e com solos de guitarra intrincados. A música tem menos de cinco minutos e isso é um trunfo. Não há tempo a perder. Talvez uma das melhores do álbum. A próxima faixa tem um início tribal, que encaixa perfeitamente no seu tema. “Mesolithic” usa essa atmosfera primitiva de seu início e vai crescendo, avançando temporalmente na construção de uma música que explode nos auto falantes como o lançamento de um foguete. É uma jornada musical épica. O teclados nessa música são insanos, assim como as linhas de guitarra.
O contato com o desconhecido é retomado com “Organism 46B”, faixa brutal e cheia de mudanças. Há momentos realmente pesados aqui. Demian Heftel e Belial Koblak são dois monstros em seus instrumentos e os solos e arranjos nessa música são incríveis. O álbum ainda tem momentos mais longos como nas faixas “Mission Malkuth” e “Hod, The Stellar Light”, ambas músicas mostrando um lado do grupo norte-americano que os diferencia das demais bandas da cena. Saber criar músicas que unem velocidade, técnica e complexidade, dramaticidade e uma longa duração não é algo para qualquer música. Há ainda a visceral “Yesod, The Dark Side of the Moon”, minha música preferida. Talvez seja a música que soa mais direta, apesar de todos os elementos que são inseridos pela banda.
A última é “Nietzach, The Fire of Victory”, que possui momentos mais cadenciados em meio a quebras de ritmo, riffs caóticos. Grande faixa. Ainda há uma longa Outro que encerra realmente o álbum, mas que apesar de ser interessante de se ouvir na primeira audição, não é algo que se torna recorrente.
A arte da capa não poderia ser mais incrível e continua a saca iniciada em “The Key” e continuada em “Paradox”. Uma obra de arte ímpar e perfeita para a proposta da banda.
Meu único porém para o álbum são os vocais de Mike Browning. Em muitos momentos ele está em um limiar entre algo mais agressivo e algo que soa quase como declamado de forma agressiva e isso tira um pouco da brutalidade das músicas. Não que seja ruim, mas que acabou sendo utilizado demais em todo o álbum.
O NOCTURNUS AD confirma com esse “Unicursal” é uma continuação à altura do trabalho desenvolvido por Browning desde seu primeiro álbum e mostra que a nova formação tem muito ainda a oferecer. O metal necessita dessa inteligência musical. E esses caras tem isso de sobra para oferecer por muitos anos ainda.
Tracklist:
- Intro
- The Ascension Throne of Osiris
- CephaloGod
- Mesolithic
- Organism 46B
- Mission Malkuth
- Yesod, the Darkside of the Moon
- Hod, the Stellar Light
- Netzach, the Fire of Victory
- Outro
ENGLISH VERSION:
Released on 17/05/2024
I have no doubt that Mike Browning is one of the most brilliant musicians in the North American extreme scene, and this has been proven since the release of the group’s debut album Nocturnus, back in the 90s. “The Key” was a worldwide watershed. There was nothing like it before and I would venture to say that there has never been anything like it since. It was an absolutely unique vision of extreme music, with its characteristic brutality, but going beyond, inserting keyboards (something considered almost heresy in the scene at the time) that bordered on insanity, guitar riffs that at times recalled Morbid Angel (a band Browning had been a part of years before), but which in general were stamping their own mark.
The band would go on to release a second album, which was even more challenging and which, in my opinion, suffered greatly from its production. I always thought that the mixing or mastering had left the album muffled, with a lifeless sound. Musically, it had lost some of its aggression, but it showed Nocturnus at their creative peak. Unfortunately, it was the last album with that kind of feel. In 1999, another line-up released an album that didn’t make much of an impact, despite some interesting songs. The vocals were recorded by Ed Mowery, from the band Tiwanaku. For legal reasons Mike Browning was prevented from continuing to use the name Nocturnus and so, in 1999, NOCTURNUS AD was born. The first album from this new incarnation was “Paradox” (2019), which returned to what had been done on “The Key”, which was a pleasant surprise. A very good album.
Now, in 2024, we finally have a new album from the band entitled “Unicursal” which, in my opinion, repeats in certain respects the trajectory of what was once Nocturnus. While “Paradox” had an atmosphere closer to “The Key”, this new album takes a step forward and embraces a much more complex musical and lyrical approach, as in “Thresholds”, from 1992. Fortunately, the production didn’t follow suit and we have an album with excellent production.
“Unicursal” is not a simple album. It really isn’t. Mediocre ears will hate it here, as they won’t understand the level of complexity presented here at all. But it is precisely in this complexity that NOCTURNUS AD‘s greatest quality as a compositional entity lies.
After an intro, the first track is full of aggression. “The Ascension Throne of Osiris” starts off fast and energetic. The riff here is intricate and the atmosphere dramatic. It’s a composition that is a perfect calling card for the album.
“CephaloGod” continues the experience and here the band’s spatial characteristics are more present, with an interesting use of keyboards and intricate guitar solos. The song is less than five minutes long and that’s an asset. There’s no time to waste. Perhaps one of the best on the album. The next track has a tribal beginning, which fits its theme perfectly. “Mesolithic” uses the primitive atmosphere of its beginning and grows, moving forward in time to build a song that explodes out of the speakers like a rocket launch. It’s an epic musical journey. The keyboards in this song are insane, as are the guitar lines.
The contact with the unknown is resumed with “Organism 46B”, a brutal track full of changes. There are some really heavy moments here. Demian Heftel and Belial Koblak are two monsters on their instruments and the solos and arrangements on this song are incredible. The album also has longer moments, such as the tracks “Mission Malkuth” and “Hod, The Stellar Light”, both of which show a side of the North American group that sets them apart from other bands in the scene. Knowing how to create songs that combine speed, technique and complexity, drama and a long duration is not something for everyone. Then there’s the visceral “Yesod, The Dark Side of the Moon”, my favorite song. It’s perhaps the song that sounds the most straightforward, despite all the elements that are inserted by the band.
The last song is “Nietzach, The Fire of Victory”, which has some slower moments amidst rhythmic breaks and chaotic riffs. Great track. There’s also a long outro that really closes the album, but although it’s interesting to hear on first listen, it’s not something that becomes recurrent.
The cover art couldn’t be more incredible and continues the bag started on “The Key” and continued on “Paradox”. It’s a unique work of art and perfect for the band’s proposal.
My only downside to the album is Mike Browning’s vocals. At many moments he’s on the edge between something more aggressive and something that sounds almost like aggressive declamation and this takes away some of the brutality of the songs. It’s not that it’s bad, it’s just that it’s overused throughout the album.
NOCTURNUS AD‘s “Unicursal” is a fitting continuation of Browning’s work since his first album and shows that the new line-up has a lot to offer. Metal needs this musical intelligence. And these guys have plenty to offer for many years to come.
Tracklist:
- Intro
- The Ascension Throne of Osiris
- CephaloGod
- Mesolithic
- Organism 46B
- Mission Malkuth
- Yesod, the Darkside of the Moon
- Hod, the Stellar Light
- Netzach, the Fire of Victory
- Outro