“Shadowvoid” é um trabalho de estreia, mas não um trabalho de estreia regido pelo trivial em meio a tantas cópias de cópias de cópias… Ele é o primeiro pergaminho sonoro da VULTHUM — a mais nova (ou nem tão nova assim) entidade a representar o Black Metal nacional. Sendo franco — talvez um pouco saudosista ou mesmo empolgado, tanto a banda quanto o álbum já nasceram clássicos!
O VULTHUM é um projeto criado 2019 por três grandes (e respeitadíssimos) expoentes do Undergound Brasileiro; o guitarrista Shammash (Mythological Cold Towers, Unholy Outlaw, Templum, ex-Guehenom), o vocalista Samej (Mythological Cold Towers, Templum, ex-Desmodus Rothundus) e o baixista/guitarrista Thorngreen (Templum, Unholy Outlaw, ex-Spell Forest, ex-Berzabum). Com uma formação dessas, nada menos que espetacular era esperado e posso afirmar com veemência que sim, o álbum é magnifico de um extremo ao outro. Dos ventos e sinos que pressagiam a primeira faixa até o eco do último riff na última.
Às formalidades: “Shadowvoid” foi gravado entre setembro de 2020 e maio desse ano, sendo produzido por Eric Cavalcante (Vazio, Creptum). E que bela produção o artefato exibe, nada polida ou cristalina, mas sensível à organicidade dos instrumentos, discerníveis até mesmo nos momentos de oratória do caos. A capa, assinada pelo sempre criativo Rodrigo Bueno (Lacrima Mortis, HellLight) é um afago nas retinas de quem aprecia uma arte simples, mas bem feita e conjugada à abordagem sonora que a traja — nada de pinturas clássicas, ilustrações do Gustave Doré, simbologia nonsense ou paisagens épicas à la Albert Bierstadt.
A sonoridade da VULTHUM não apresenta nada de novo, raro ou inovador e é justamente por se esquivar de modernices e experimentos desnecessários que todas as 08 faixas soam tão únicas, naturais e honestas. Não há apelos ao exótico, não há aventuras ou acolhimentos ao inusitado, no álbum todos os caminhos levam ao passado, a glória e ao frio primordial que suspirava nos sulcos das obras clássicas e majestosas dos anos 90.
Ventos gélidos por entre árvores e distantes sinos prenunciam “Under The Icons Of Mighty” e seu instrumental altamente poderoso e ríspido. Faixa veloz e de estética bruta, mas trabalhada e atmosférica na medida certa. “As The Ashes Of Pyre” consegue ser tão malévola quanto feroz em seus sucintos minutos, assim como a faixa título. Ambas com uma performance avassaladora de todos os músicos, mas, com uns centímetros a mais de destaque para o vocalista Samej. Que aula de como “cantar” Black Metal com fúria, intensidade e propriedade! As linhas de bateria de Jack Ferrante também são subliminares, seja nos violentos ataques que desfere ou nos intervalos, quando investe noutros andamentos e texturas — “Visions Of A Frozen Dawn” é um bom exemplo dessas mutações rítmicas.
“Throne Of The Fallen” é a manutenção do caos dentro do álbum; densa e repleta de feeling negro —, e nada mais precisa ser dito. A sétima faixa “Enter The Spectral Gates” segue o mesmo raciocínio; velocidade inumana e riffs obscuramente fantásticos! Potencia blasfema com o ponteiro no máximo! Contudo, vamos àquelas que, ao meu gosto, são os dois clássicos (mais clássicos) de “Shadowvoid”; a sexta faixa “Horned Realms Rise” e o ômega, aqui, denominado de “A Cold Moon Over Grim Kingdoms”. A primeira por se desenvolver em médio tempo e evidenciar os magníficos arranjos de teclado do produtor Eric Cavalcante; tal elevação tornou uma composição já excelente em algo simplesmente épico. Próximo ao fim a velocidade é novamente reduzida e o pandemônio cede espaço para melodias discretas de guitarra que culminam num final acústico grandioso. A segunda, por sua vez, representa toda a glória e majestade não só da VULTHUM, mas de como o Black Metal era em suas primeiras eras. Sinistra, maligna, devastadora e com alguns densos parênteses de melancolia enegrecida.
Diferente de tantas outras bandas que se autoproclamam “old school”, a VULTHUM realmente é. Não há emulações em sua música, tampouco tentativas de recriação. Tudo é muito puro, coeso e honesto, e é aí que está o segredo — quando a arte nasce e ganha fibras de maneira espontânea. “Shadowvoid” foi lançado em CD pela Drakkar Productions Brazil (divisão sul-americana da gravadora francesa Drakkar Productions) e em versão K7 pelo selo Angel Of Cemetery Records, mas convenhamos, uma edição em LP seria mais que bem-vinda (fica a sugestão/apelo).
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