Entrevistas

DESGRAÇA ZINE – O underground em palavras diretas, duras e verdadeiras

Robson Desgraça: Fala grande Walter Backus! Uma honra poder falar para o público dessa potente ferramenta do underground! Muito feliz em bater esse papo contigo!! Bem, minha relação com a música pesada se inicia na minha adolescência em 1990. Naquela época, (ooobviamente não existia Internet) era muito difícil conseguir ouvir algo com guitarra distorcida. Eu buscava isso como alguém sedento num deserto, tinha muita necessidade dessa energia. Em 1989 Raul Seixas tinha morrido e a figura dele, a musicalidade, a lírica e tudo que o cercava mexia muito comigo, foi o passo inicial até alcançar um outro  marco importantíssimo pra mim que foi o dia em que ouvi _Black Dog_ do Led Zeppelin. Aquilo foi um coice em minha vida! Depois disso só fiz descer mais a ladeira, só que cada vez mais sem freios! Chutei o pau da barraca, embarquei na desobediência, passei a me recusar a ir para a igreja, gerando um grande conflito em minha casa. A pressão era grande pra ir pra igreja Batista e pra cortar o cabelo. Lembro que recebi um panfleto dos Testemunhas de Jeová que revelava “o lado diabólico do Rock pesado”. Tinha a tradução de Hells Bells e um sermão contundente alertando os pais dessa “maldição que assolava a juventude!!” Após fazer a leitura com o coração acelerado e morrendo de medo eu percebi que precisava muito ouvir esse tal de ACDC!! Minha família se mudou da periferia de Salvador e eu agora tava morando no centro. Comecei a trabalhar muito cedo, então ali no centro numa das antigas lojas especializadas em música barulhenta (a Coringa) adquiri meu primeiro disco de Metal que foi o “Somewhere in Time” do Iron Maiden. Antes desse LP, eu só ouvia fitinha cassete. Depois consegui o “Flick of the Switch” do ACDC e aí tudo isso foi se misturando a Black Sabbath, Deep Purple e até mesmo Janis Joplin, Jimmy Hendrix, Whitesnake, Skid Row e tal. Muito antes de ir morar no Centro, eu lembro que eu atendi a um telefonema de um colega de minha irmã,  ele pediu pra falar com ela e o som alto do lado de lá da linha me impressionou. Eu nunca tinha ouvido nada parecido! Era um som mais pesado do que tudo que eu tinha ouvido. Foi a primeira vez que ouvi um vocal gutural. Passei um tempo hipnotizado e em silêncio sem chamar minha irmã, só pra continuar ouvindo aquilo! Depois de ter passado o telefone e minha irmã ter conversado com a paquera dela, eu: “Que música é essa que esse cara ouve?” Ela explicou que era “Heavy Metal” e eu “Mas o cantor canta parecendo um monstro!! Por quê?”  Ela não soube me explicar e disse que o colega dela era headbanger, falou rápido, meio sem paciência e sem saber direito o que seria isso, mas daí pra frente eu dizia pra mim mesmo “Quero ser um headbanger também!!” Isso foi um acontecimento bem no início e me preparou para o dia que conheci Sepultura e Ratos de Porão. Apesar de que não evitou o choque absurdo que tive no dia em que conheci os açoites sonoros de Cannibal Corpse, Obituary e Deicide. Tenho muito vivo em minha memória também o primeiro contato com o som do Running Wild; uma história tão insana que escrevi no editorial da edição 2 do Desgraça Zine. Cara, as memórias de minha iniciação como praticante dessa contracultura as vezes são bem desordenadas; de vez em quando fico meio perdido pra definir o que veio antes ou depois, mas acho que deu pra entender. O que sei é que as experiências com som, com vínculos construídos com outros headbangers (e também os punks) nos shows, na escola, na porta das lojas e nas bebedeiras foram cruciais pra minha formação como o homem que sou hoje. Pra meu ateísmo, pra minha politização, pra o tipo de leitura que escolhi, pra tudo que sou.

Robson Desgraça: Salvador já teve um movimento punk que era um dos mais fortes do Brasil. Quando fui morar no centro da cidade a quantidade de punks era enorme e quando tinha show pelas cercanias de onde eu morava, eu me impressionava com aquela grande quantidade de pessoas de roupas pretas esfarrapadas e moicanos. Eram outros tempos, moicano era algo muito agressivo, metia medo mesmo, roupa rasgada não era moda, era visto como um protesto marginal agressivo. Era a visão de uma grande cidade nordestina, de um país latino-americano, país periférico, sabe? Acho que em Londres, Paris ou Tóquio esses elementos da indumentária underground já faziam parte da modinha, dos estilistas, suas passarelas, modelos e suas filhadasputices imbecis. Mas em Salvador/Ba – Brasil não era bem assim. Então em 1993 eu fui estudar numa Escola de Ensino Médio bem importante aqui da Bahia na época. Era o Colégio Estadual da Bahia ou Colégio Central. Lá me enturmei com alguns headbangers e conheci algumas pessoas que faziam a cena punk. Éramos todos colegas e não criamos rivalidades lá dentro (bem, na verdade eles que não tinham intenção de me enxotar ou me esculachar, se não fossem gente boa, eu estaria fudido, rsrsrsrsrs). Aprendi muito com figuras conhecidas do movimento punk como Micose, Mosca e Grito. Fui a protestos anarquistas e, mesmo sendo headbanger, fui bem recebido. Havia muita violência na época, eu era muito garoto, me cagava de medo de uma gangue chamada V.S.  (Vermes do Sistema), nunca conheci ninguém da gangue, mas saía dos shows pelas madrugadas vazias do centro sempre atento ou em grupo. Meu contato com os punks na escola me dava certa segurança, mas não tanta. A turma que ouvia som comigo perto de minha casa me sacaneava, dizia que eu era punk por causa desse meu contato. Depois de anos, com certa maturidade e vivência no meio do Metal, eu fui entendendo o quanto o som punk influenciou o Black Metal, por exemplo. O quanto o Hardcore foi importante para a existência do Thrash Metal, do Death.  Acho interessante a turma fascista querendo esculachar os mais politizados headbangers (obs: Headbangers são antifascistas por essência, ou seja, por coerência, todos deveriam ser), dizendo coisas como “Isso é conversa de punk!!” Deveriam detestar o Venom, não? Tem uma letra do Venom que diz “Somos punks de cabelos longos!”, Não tem? Deveriam detestar o Bathory. Não foi Quorthon que disse que quando pensou na existência do Bathory a intenção era misturar Slayer com Motorhead e… e… adivinha? GBH!!!! Quorthon ouvia GBH  e essa importante banda punk foi influência para o nascimento de uma das bandas seminais do Black Metal!! Se o cara se diz amante do Metal extremo e despreza Venom e Bathory, aí é outra história! Citei só essas duas, mas tem mais, tá? Muita banda extrema clássica se diz influenciada pelo som e ideologia punk. O próprio ato de fazer fanzine nós herdamos dos punks. Eles não inventaram os fanzines, esses surgiram na década de 30, mas foi através da influência dos punks que os fanzines chegaram até a turma do Metal. Minha história tá com os dois pés no Metal, mas tenho muito orgulho de ter tido alguma experiência underground no movimento punk. Aprendi muito lá.

Robson Desgraça: Infelizmente é assim no mundo todo, não há dúvidas. A incoerência de se dizer pertencente a um movimento contracultural e defender ideias conservadoras, nazifascistas é em decorrência da mais pura falta de conhecimento, né isso? E essa ojeriza ao conhecimento não tem a ver com a pessoa possuir ou não um diploma. Tem a ver com a lei do menor esforço, muita gente tem preguiça de buscar análises mais aprofundadas, essas pessoas estão suscetíveis às narrativas de maior alcance.  A maneira como é estruturada a Educação nos países ocidentais e capitalistas também contribui. O ensino tecnicista não privilegia a criticidade, não conscientiza, a maior parte da população é preparada pela escola pública pra ser atendente no supermercado, operador de caixa em loja de departamento, recepcionista ou camareira em hotel de luxo, cuidadora de idoso. As escolas particulares caras e chiques preparam os estudantes para serem CEOs de grandes corporações, funcionário do alto escalão de multinacionais, empresários, publicitários de alto nível… Tanto na escola pública, quanto no ensino privado a construção de senso crítico é muito menos importante do que a técnica, a especialização técnica. Temos um ensino que formas funcionários, não forma seres humanos críticos, sensíveis e transformadores. Quem resolve fazer – ou consegue fazer – faculdade de arte, sociologia, filosofia, história ou algo assim é alguém que escolhe – ou apenas consegue – trilhar descalço por um caminho de vidros e espinhos. Esse caminho é espinhoso de propósito! O sistema joga esses vidros e espinhos de propósito! Lembrando que as áreas mais técnicas poderiam ser trabalhadas de forma mais crítica e humanizadora também. Não são.Olha que interessante: Em toda minha inserção no underground ao longo de minha vida a palavra fascismo sempre existiu, e existiu como algo a ser combatido. Pois bem, quando a dicotomia política foi estimulada, ganhou popularidade através das redes sociais e com a ascensão do nome de Bolsonaro a palavra fascismo entrou em cena nos debates acalorados de pessoas comuns. Uma coisa que me impressionava muito era que a maioria esmagadora nunca tinha ouvido tal palavra! A maioria esmagadora não tinha a menor noção do que significava! Dessa turma toda, mais ou menos a metade aprendeu de última hora e pulou pra um lado.  A outra metade preferiu não entender (porque alimentar suas mais íntimas frustrações parecia mais fácil) e o resto da história todo mundo sabe. A grande questão que interessa pra nós do underground é que a ignorância fez muita gente – que SE ACHA inteligente pra caralho – acreditar que esse reme-reme de esquerda e direita não interessa porque: 1- “O Metal luta contra o cristianismo e isso não tem nada a ver com política.”  Não é bem assim porque religião e política são totalmente conectados! São quase a mesma coisa, inclusive.  A consolidação do capitalismo como conhecemos hoje não seria possível sem a Reforma Protestante, sem o clérigo alemão Martinho Lutero e a conexão disso com a burguesia. Todo mundo sabe qual foi a importância do catolicismo para Portugal e Espanha encherem o rabo de riqueza nas Américas. O próprio Metal fala dessas questões e muita gente dizendo que Metal não tem nada a ver com política? 2- “Porque escolher um lado ou outro não tem nada a ver com a gente que é do underground, inclusive é tudo a mesma merda.” Outro erro crasso!  É óbvio que o Metal, que o underground não tem compromisso com porra de partido nenhum! Mas a possibilidade do fascismo ascender ao poder é um perigo que nos coloca na berlinda! A extrema direita é cristã, conservadora, racista e a favor de regimes totalitários! Não parece óbvio que esse lixo tem que ser combatido? A turminha “isenta” (chamei de isentos, fui legal com eles, hein?) não viu as tentativas totalitárias do “mito”? O lado “vermelho” (coloquei entre aspas porque de socialista o PT não tem nada) esteve no poder. Tentou golpe? Estimulou intervenção militar ou respeitou a democracia quando perdeu a eleição? Imagine aí alguém que curte Metal andando com a camisa do Sarcófago, o “Rotting” num Brasil governado por milico!! Quantos dias esse cara iria conseguir desfilar sem ser preso? Lembro que quando saiu a edição 12 do Desgraça Zine, teve gente que viu a capa (um headbanger negro puxando pelos cabelos Bolsolixo vestido de Ku-klux-klan) e bradou “Robson agora largou o Metal, está vendendo política.” Eu achei graça!  Eu ri. Pelo tamanho da ignorância. A capa da edição 12 e todo o conteúdo de todas as edições do Desgraça Zine sempre foram pertinentes a uma narrativa combativa, a uma narrativa que se propõe a ajudar na nossa sobrevivência cultural! Na nossa existência, no nosso direito de nos expressar contrários ao cristianismo, contrários a todas as falácias da sociedade burguesa!! Quem é contra o debate político precisa ir morar no meio do mato sozinho. É a única possibilidade de não fazer política.

Robson Desgraça: Engraçado, né? Quer dizer, é trágico e cômico. Tem que odiar o white metal, mas “banda nazi tá valendo”.  Não deveríamos contestar os dois com a mesma intensidade? Assim eu entendo. Assim eu faço. Mas óh, muita gente que critica esse tipo de incoerência acaba caindo em outra muito parecida. Veja que o fascismo foi vomitado no Brasil com o objetivo de reacender narrativas liberais no campo econômico. O conservadorismo deles está no âmbito dos costumes, no campo econômico a ideia é liberal, não intromissão do Estado na economia e total subserviência do Brasil ante o capital externo.  O grande lance é que os ideais liberais também estão no âmbito cultural. Não me refiro a economia que move a cultura em países capitalistas, estou falando de um idearium que dá sentido a uma visão de mundo. Uma visão de mundo individualista é uma visão tipicamente burguesa! O liberalismo tem seu espectro fincado na cultura também.  A “invenção” do indivíduo é uma ideia moderna, nascida no fim da Idade Média  com o movimento renascentista, com o pensamento antropocêntrico, a valorização do humanismo grego e tal e consolidada já na modernidade. Antes disso não se tinha na história essa ideia de “um indivíduo”, essa ideia de liberdade individual. A gente não pode esquecer que a burguesia “endireitou”, mas ela foi a primeira classe revolucionária, a primeira esquerda que existiu era burguesa e liberal. Foram as formulações burguesas que nos deram certos direitos importantíssimos!! O problema é que junto a tudo isso veio o individualismo! Veio a defesa de uma não coletividade, a defesa da liberdade que todo rico tem que ter para explorar o pobre! Junto a isso veio a ideia de que se todos somos livres e independentes nenhum patrão precisa vincular seu funcionário à empresa! Ele é livre e independente.  “Não precisa ter direitos, seguridade, carteira de trabalho!” Se todos somos independentes, se todos são senhores de si, se todos se autodeterminam, então o próprio mendigo é culpado da miséria dele. Olha que concepção mais perigosa!!  Mas eu quero, e preciso, voltar para o espectro cultural pra ser bem entendido. Tenho ouvido e tenho visto diversas pessoas dentro do underground fazendo críticas a posições radicais na cena.  Parece que falta uma análise do que está sendo dito. Parece que  “Se é radical, então tá errado, é ‘caga-regra.” Já vi músicos de Metal underground elogiar o virtuosismo do ídolo  da indústria cultural, visitar o cara, tocar guitarra com o tal. Gravar vídeo elogiando como se aquele tipo de produção artística não tivesse intuitivamente vinculado a um projeto político que pretende entorpecer as massas!  Isolar a “arte” da política, separar esses dois elementos é uma estratégia muito liberal! É só estudar os frankfurtianos um pouquinho. A ideologia liberal-individualista-burguesa separa elementos e mói conceitos.  Os radicais do Metal estão certos quando ficam chiando contra certas inovações sonoras. Elas precisam acontecer para o estilo se reinventar, mas elas também precisam encontrar esse tipo de barreira, de contestação para que haja um cuidado de inovar sem perder as características sonoras que nos identificam. Essa chatice é uma intuitiva preocupação com a coletividade.  É o individualismo burguês que faz o “livre” dizer  “Eu faço o que eu quero e pronto!”  E é a resistência coletiva que não vai acatar a proposta sonora que não se encaixe no critério coletivo. Ou seja, se ele quiser fazer “o que quiser e bem entender, sem a conexão com o coletivo” ele vai ter que tocar para outro público. Assim muitos fazem e passam o resto da vida falando mal do underground. É alguém que defende o idearium liberal-burguês e não sabe. O headbanger precisa parar de repetir jargões burgueses contemporâneos como por exemplo “Eu não me importo com a cena underground, a minha cena sou EU. Vou fazer minha música e se foda todo mundo!” Olha como isso é um soco na coletividade! Olha como isso é nada resistente à lógica individualista liberal!! Outro dia ouvi de alguém que é “um preconceito chamar alguém de poser”.  Eu não estou muito a fim de explicar de onde vem o termo, mas quero deixar claro que minha posição é do lado dos radicais que INTUITIVAMENTE estão protegendo a organicidade e o ethos combativo do underground. Muitas pessoas que detestam Bozo e o fascismo embarcam num idearium que deu sentido a essa coisa horrorosa chamada rede social. É o individualismo, é a não coletividade, é a ideia torpe de “liberdade” que a burguesia inventou, que tornou possível todo esse lixo que impera nas redes sociais! Veja quanta mentira é contada, veja quantas ideias perversas são colocadas em prática, veja quantos tiranos foram levados ao poder!! Tudo por causa dessa visão individualista do “Eu posso tudo”. O Metal não pode ser apenas música! Ele sempre foi combativo! É preciso ter coragem de contestar! É preciso ter coragem de falar mal! De dar o dedo do meio! É preciso ter coragem de ofender as pessoas certas nos momentos certos!  E pra fechar essa resposta quero deixar claro que a crítica que faço às pessoas, que sem perceber defendem a lógica burguesa, é uma crítica respeitosa, não é a mesma crítica que faço aos fascistas. Esses headbangers e os fascistas não são “farinha do mesmo saco”.

Robson Desgraça: Primeiro eu acho que é importante valorizar o passado sim. Dá pra valorizar, dá também pra apontar os aspectos negativos (são muitos) e aprender com eles. Assim como dá pra falar dos méritos do presente e dá pra criticar os equívocos de hoje em dia e lutar por transformações.  Só acho que tem muita gente que vive numa nostalgia boba totalmente desnecessária. As vezes é aquela coisa do cara querer mostrar pra todo mundo que ele é “velha-guarda” do underground. Aí fica Aaahh porque naquela época é que era bom! Hoje nada presta e… Blá-blá-blá…”Entendo a importância de ser alguém que frequenta a cena há décadas”, acho que isso é algo que confere respeito, sim (isso quando o sujeito conseguiu aprender algo, porque tem uns…), resistência, vivência, ok.  Mas, pô! Tem gente que passa vergonha! Exagero da porra!!  As vezes também é por causa de um descontrolado medo da morte. A pessoa sente que está envelhecendo, sente que a juventude acabou e vive num lamento da porra! O que essa pessoa quer de volta não é a cena underground dos anos 80 ou 90, essa pessoa quer a virilidade sexual de volta, a saúde, a força, a liberdade de não ter contas pra pagar, a barriguinha chapada de outrora… essa pessoa quer poder olhar pra si mesmo e dizer “O dia de morrer ainda tá longe pracaralho!!!” Coincidentemente na época que ela tinha isso tudo, a cena underground era o habitat. Então o cabra vive nessa punhetinha na intenção de Marty McFly e Dr Emmett Brown! Isso explica também uns Zé Ruelas que defendem ditadura militar. Tem uma turma que era jovem na época da ditadura, então o desejo do retorno aos anos de chumbo é uma mera ilusão inconsciente de que tudo voltará como era antes. Não. Não voltará. É melhor ir logo à farmácia comprar Tadalafila. Sobre a questão do radicalismo a gente precisa entender que existem diversas posturas radicais em diversas linhas de pensamento. Ser radical é radicalizar em uma postura. Eu, por exemplo, acho que uma pessoa é radical quando ela esculacha e ridiculariza os elementos místicos/macabros do Black Metal. É um radicalismo bobo, em minha opinião.  Toda a simbologia do Black Metal nos leva a uma aversão ao idealismo laico das sociedades modernas. Não me interessa se o blackmetaller sabe disso ou não, o que me interessa é a prática dele. Na prática dele, ele – INTUITIVAMENTE – questiona essa farsa chamada laicidade. E é farsa porque a sociedade da gente não é laica porra nenhuma!!! Os candidatos se elegem com o nome de deus na boca! Os tribunais, os órgãos públicos têm crucifixos na parede! As escolas comemoram o natal! As concepções cristãs estão presentes nas decisões mais importantes da sociedade, a ideia de “igualdade cristã” é combustível da homogeneização, da massificação e do consumo! Tudo isso transcorre ao lado dessa grande mentira chamada laicidade. Aí vem o Black Metal fazer uma música ritualística, usa a simbologia do macabro presente no cristianismo contra o próprio cristianismo, faz alusão a misticismos que estiveram presentes em eras pagãs, eras que antecederam o cristianismo e o ascetismo laico burguês! E então a ideologia liberal (presente no espectro cultural) vem no discurso dos nossos próprios irmãos do underground para tirar o mérito. São radicais!  Respeitosamente discordo deles! Tem mais: Pra mim há um grande radicalismo em defender que o visual no Metal não é importante. É outro tipo de radicalismo que sou contra. É uma radical defesa da não identidade, da não identificação. Eu, como defendo a identidade dos grupos rebeldes, sou radicalmente contra esse tipo de radicalismo. Quer ver outra? Andreas Kisser, em minha opinião, é radicalmente contra os headbangers. Para ele, tudo que gira em torno da coletividade underground não presta. Ele acha um absurdo ser criticado porque dividiu palco com Júnior (da dupla Sandy e Júnior). Ele é radical em achar que os radicais (do lado oposto ao dele) estão errados. Ele usa o Metal – que deveria ser combativo – para afagar as estrelas da música convencional, para levar o Metal para o trio elétrico no meio da avenida carnavalesca! Pra entreter os foliões (outra farsa política, né? O carnaval! Metal na combatividade zero!). O Metal é elemento forte de um grupo cultural. Os partícipes desse grupo não podem ir lá bater nele, nem proibir de fazer o que Kisser quiser fazer, seria um absurdo se assim procedessem! Mas esses partícipes podem sim opinar. “O Metal também é nosso, Sr Andreas Kisser!” Em suma, eu acho que o radicalismo do lado de cá precisa existir porque o radicalismo do lado de lá é muito forte. É mais forte que o nosso!! O radicalismo do lado de lá quer transformar o Metal em “só música”. O radicalismo do lado de lá quer um Metal com idearium classe média, inofensivo, sem sangue no olho. Quer um Metal adestrado, espalhado pelo mercado da música sem alma, da música de plástico. E o radicalismo do lado de lá tá vencendo. Há décadas ele está vencendo. Temos sido pouco radicais e muitas vezes somos radicais de maneira errada.

Robson Desgraça: Eu não gosto do Sepultura pós saída de Max. Dos discos que ouvi não gostei de nenhum. Quando o Against” saiu eu lembro que tentei bastante, mas vendi o CD. Não deu. O que veio depois eu tentei menos e também não gostei. A falta de minha sintonia com o som se agravou na medida em que eu percebia certas posturas de Andreas Kisser. Essa é minha opinião, mas também não fico entrando em briga, não, viu? Cada um sabe o que gosta. Eu só digo “Não gosto por isso e isso.” Quem quiser curtir, por mim tá valendo! E se eu chegar numa festa e tiver tocando eu até bato o pézinho no chão acompanhando o som. Mas nada mais que isso.

Robson Desgraça: Não acho que já esteja totalmente dentro da normalidade, não. Eu acho que está mais “normal” do que antes. No entanto, ainda existe contundência estética porque o Brasil ainda é muito cristão e as concepções cristãs estão arraigadas em muita gente que diz que não tem religião.  Muita gente já me disse “Eu acredito em deus, mas não é esse deus que todo mundo acredita, não. É um deus que é só meu, tipo um amigo.” Claro que é o deus de todo mundo! É o mesmo deus cristão, a pessoa foi criada cercada de conceitos cristãos e acha que consegue inventar um deus desvinculado desses conceitos? Essa viagem de “É um só meu” é outra lombra individualista burguesa!! Não vou encher o saco da pessoa, não vou falar nada pra ela, mas achar que existe um Deus exclusivo pra você é cair na armadilha do “EU” que a burguesia inventou para nos separar. Eu acredito se a pessoa disser “Meu deus não é esse que a maioria ama, não. Meu deus é Olorum!” Ou “Exú!” ou “Wicca!!”  Aí a gente enxerga uma coletividade. Aí é outra história. O que quero explicar é que a nossa sociedade ainda está sob a égide do cristianismo. Por isso o Metal ainda consegue provocar. E assim…   eu não diria que nós precisamos dos crentes torrando nosso saco, sabe? Eu detestava essa pressão! Principalmente porque eu tinha uma crente dentro de casa! Minha mãe! Rsrsrsrsrs… Só eu sei o que passei na adolescência! Detesto ter que explicar ao crente aquilo que, emocionalmente, ele não vai querer entender. Quando dizem que “Deus tem um plano” eu pego o panfleto, agradeço e sigo meu caminho. Se começar aquele lero-lero, eu, educadamente, digo que estou com pressa. Fui!! E eu sinto a contundência estética do Metal toda vez que saio de camisa regata. O olhar disfarçadamente estupefato das pessoas em minha tatuagem é algo notório. Tenho a arte da capa do “To Mega Therion” do Celtic Frost no braço (obra de Giger). Hoje mesmo fui num evento do meu trabalho com a camisa do Mercyful Fate, a estampa era a capa do “Don’t Break the Oath” Dá pra notar os olhares cheios de desconforto. A simbologia do macabro ainda é algo que perturba a ordem vigente. E essa é a grande função do Metal, a ordem vigente precisa ser cutucada porque essa ordem não nos favorece. O cristianismo embasa e favorece a exploração do trabalhador, o racismo, a opressão, a misoginia… porque o personagem central dessa mitologia é um homem que foi assassinado pelos romanos. O símbolo máximo deles é um homem ensanguentado, pregado numa cruz. Morto! Ele foi “vencido” em vida pelos romanos. A plenitude dele, segundo a crença, está nos céus, no além. A vitória do cristão não está na terra, não está no mundo material, está no etéreo ou num futuro que supostamente existirá após a morte. Então há toda uma aceitação da exploração, do sofrimento, da dor, da injustiça… porque “nossa plenitude está no paraíso que Deus prometeu pra nós!” Exigir a plenitude no aqui e agora é descrer no versículo bíblico de Mateus: “Bem-aventurados os *humildes de espírito* porque é deles o reino dos céus. Bem aventurados *os mansos* porque herdarão a terra.” Tá vendo que onda?  É a pregação da humildade e da mansidão. A recompensa está no além. Não é aqui e agora. Então propor uma simbologia aversiva à simbologia cristã é um ato rebelde, contestador. É dizer – simbolicamente  não sou manso, nem humilde! Não aceito injustiça nem exploração. Nem precisa ser racional!! Usar essa simbologia no cotidiano é provocar inquietação. É pregar o contrário sem precisar falar, sem precisar encher o saco de ninguém. Você não tá dizendo nada racionalmente, a mensagem consegue amargar a pessoa, mas tá tudo nas entrelinhas. Você incita uma dúvida e você tá só passando; tá passando e provocando inquietação na plenitude de uma narrativa que corrói o ocidente há séculos! A resposta para sua pergunta final é que sempre há uma guerra de narrativas. Do mesmo jeito que o headbanger passa com a camisa dele, do mesmo jeito que o vizinho ouve o seu Death Metal quando ele passa em frente a sua porta; ou quando passa em frente a uma casa de eventos de Metal, ouve os guturais vindos lá de dentro e aquela multidão vestida de preto na frente; do mesmo jeito que nossa narrativa tenta, em algum ponto, rachar a hegemonia da narrativa do lado de lá; o lado de lá também tenta intuitivamente anular essa rebeldia. Tentar trazer a dissonância do riff para a música convencional é tentar anular o choque simbólico. Não é consciente, mas é eficiente.  Ridicularizar o Metal, fazer graça contra o Metal, consolidar uma ideia de que o headbanger é imbecil, é imaturo, é burro, é fechado (como se preservar a sonoridade do estilo fosse algo ruim)… tudo isso tem uma serventia, a de anular uma simbologia rebelde. Isso tudo aconteceu com os punks também, com os hippies, os góticos. Todos esses grupos contra culturais tiveram seus momentos de ridicularização, também de usurpação de seus códigos simbólicos. Quem primeiro sofreu com essa usurpação foi o pessoal do jazz lá em New Orleans. Toda uma fúria rebelde do povo negro “precisava ser adestrada”. O pessoal do RAP também sofreu e ainda sofre com essa diluição. Tudo isso é um contra-ataque. Toda vez que um de nós reproduz esse contra-ataque, está dando um tiro no pé. Se chama fogo amigo. Como a gente pode perceber, a música é muito mais que puro entretenimento.

Robson Desgraça: Era todo mundo jovem naquela época, né? A imaturidade dava o tempero da arrogância, do ressentimento e da necessidade de autoafirmação. Sim, o pau quebrava. Salvador é uma cidade que se divide em duas: A Cidade Alta e a Cidade Baixa. Na época existia uma idiotice de achar que os trues eram aqueles da Cidade Baixa e os posers moravam na Cidade Alta (principalmente Orla).  Todo mundo da classe trabalhadora, uma maioria de moradores de favela e inventando uma divisão imbecil dessa! Quem não era trabalhador era porque “ainda” não trabalhava. Uns desempregados, passando aperto e outros tinham pais (da classe trabalhadora) que se lascavam de trabalhar e  bancavam os estudos dos filhos e isso já era motivo para o sujeito ser chamado de playboy. Alguns (não todos) se vingavam de seus detratores se fazendo valer de classismos e até racismo. Favelas, ruas pavimentadas, casas arrumadinhas, casas humildes, prédios, condomínios… tudo isso tinha e tem tanto na Cidade Alta quanto na Cidade Baixa. Na Orla sempre teve favela! Era uma briga ridícula com um forte aditivo de ódio racial – que não era generalizado – mas existia de forma mútua e velada. E as madrugadas, após os shows, eram testemunhas dos acertos de contas ou de tocaias executadas por gangues. Sim! Gangues! Grupos que não conseguiam se organizar pra fazer um evento underground, ou colocar uma banda, tinha gente que não se sentia capaz de fazer um fanzine, não conseguia entender tanto de som, ou não se sentia prestigiado por algum outro motivo.  A solução era buscar o prestígio demonstrando força física, mostrando “ser bom de briga”. Não vou citar, mas tinha grupo que tinha nome, como se fosse uma banda! Mas não era! A existência daquilo tinha como objetivo a busca violenta por prestígio. Isso era terrível. Isso expulsou muita gente do underground. Eu até entendo, sabe? Jovens de 19, 20 e poucos anos. Essa galera amadureceu e tá em outra. Houve um hiato na pancadaria por causa desse processo de envelhecimento e maturidade.  O que não consigo compreender são algumas (poucas) tentativas, hoje em dia, de fazer isso voltar. E não são tentativas vindas de garotos. Pessoal que já tem idade de homem, não de garoto. Eu espero que entendam, o mais rápido possível, de que lado o verdadeiro Metal se posiciona (porque ele tem um lado, sim), onde fica o verdadeiro prestígio de ser underground e como buscá-lo.  Torço por eles. Precisamos deles do lado de cá, ajudando a manter o subterrâneo cultural, não destruindo ele.No mais, eu acho que a cena baiana (capital e interior) tem bandas que me enchem de orgulho! É muito headbanger fazendo Metal com extrema competência, muita banda com sonoridade absurdamente genial, trazendo conceitos tão geniais quanto o som, caprichando nas capas, trazendo lucidez para o submundo da música pesada! Infelizmente a indústria do axé/arrocha/pagodão aqui em Salvador tem uma grande força financeira opressora e isso dificulta muito o aluguel de espaços para nossos eventos.  Por sorte ainda temos guerreiros que metem as caras, outros que se esforçam para manter abertas pequenas casas que fazem um grandioso trabalho de resistência. O underground soteropolitano sobrevive!

Robson Desgraça: Cara… Isso é um trabalho para uma força tarefa formada por psicólogos e sociólogos! Eu fico curioso como cada região tem um estilo típico. Eu percebo que em Santa Catarina e Paraná tem uma coisa com o Splatter, com o Gore, Gore/Grind. A maior parte do nordeste me parece que tem uma pegada mais puxada pra um Black Metal primitivo com aquela levada norueguesa.  Boa parte das bandas peruanas e bolivianas que conheço fazem um Black Metal muito inspirado no Sarcófago, os chilenos eu vejo com algo de Black/Thrash, os argentinos me soam como Heavy tradicional com pitadas de Thrash, os gregos tem aquela linha bem característica que a gente percebe em Rotting Christ, Kawir, Katavasia, Necromantia, Varathron… Porra! E a Suécia? Muita coisa pra citar. Eu acho até que esses países devem ter também estilos característicos em suas regiões, como temos aqui. É um fenômeno muito interessante! E a Bahia, por sua vez, tem essa tradição do Black Metal e Death Metal. Assim como outras regiões e países, existem bandas de outros tantos estilos, mas todos falam que nosso estado se notabiliza pelo Metal negro e pelo Metal da morte. Talvez seja porque muito cedo – anos 80 e 90 – bandas daqui, nessas linhas, lançaram álbuns matadores que rodaram o mundo! Isso acabou dando orgulho aos headbangers daqui e acabou também servindo de inspiração para o surgimento de bandas muito competentes! Ainda assim é bom salientar que todas as linhas do Metal possuem em toda a Bahia representantes de grande valor.

Robson Desgraça: Amo, mas o amor não pode ser cego, rsrsrsrsrs… As críticas são importantes. Olhar os aspectos positivos também. Waltinho, a maior parte da galera que converso aqui diz sempre que “A cena é uma merda!” Acho improdutivo quando a gente faz isso sem conseguir apontar aspectos positivos, sem dar uma parcela de contribuição. Conheço muita gente também que faz questão de adquirir a demo da banda que tá no palco só pra apoiar!  Muita gente que conheço adquire zines e faz questão de pagar numa camisa de banda do underground que frequenta porque sabe que aquela grana ali vai ajudar no corre do grupo. Frequentar os eventos, ajudar no que for preciso. Tem gente que vai pra evento e quando vê a produção carregando equipamentos, começa a dar uma força. Acho esses movimentos um troço bonito da porra! Tem muita gente que me para nos shows só pra me dizer o que achou da entrevista tal que fiz pro Zine; ou pra falar o que achou do meu texto na última edição. O cara quer trocar ideia, sabe? Ir no detalhe da resenha do CD, mostrar pra mim que curtiu ou que não concordou, quer me dizer o motivo. Isso é mágico pra mim. Eu não consigo ver essas coisas e dizer que tudo é uma merda! Eu e muitas outras pessoas já hospedamos bandas de fora em nossas casas só pra dar uma força, buscar gente em aeroporto é outra constante, dar carona, emprestar equipamento… Estou falando da Bahia, não é?  Mas via essas coisas em Brasília também. Vivi dois anos e meio por lá, frequentei o underground e fiz boas amizades. Mesma pegada: Um monte de gente que diz que  “A cena é uma merda!” ou “Eu odeio a cena, eu faço a minha cena sozinho”  O interessante é que muitos desses eu vejo apoiar, fazer de tudo pra ajudar! Óh que viagem da porra! O cara detesta tanto que vive frequentando os eventos e ajudando de alguma forma para que a roda continue girando. Assim é aqui, assim é em Brasília também. Lá também tinha as intrigas que temos aqui. Espero que tenha acabado, mas na época (de março de 2000 a outubro de 2002) a turma das Cidades Satélites (principalmente Taguatinga e Ceilândia) eram “os mulambos”. E o pessoal do Plano Piloto eram os “playboys”. Mas peguei eventos marcantes no DF!! Tinha uns caras que faziam a coisa acontecer! Não citei nomes da Bahia pra não ser injusto, farei do mesmo jeito com o underground do DF!! E os shows em Taguatinga são inesquecíveis pra mim! Tomar uma gelada em bar Rock’n’roll da Ceilândia! Encontrar a galera na Praça do D.I., os shows no Plano Piloto também, no Guará! Eu queria um dia voltar lá, pegar um show pra me bater com a turma daquela época. Eu sofria muito lá porque é um lugar que em certas épocas a umidade relativa do ar é baixa, você sente dificuldade de respirar, sangra o nariz e tal. Foda.  Também é um lugar que simplesmente não tinha ônibus! Acho que a mesma dificuldade da gente ver uma Limousine aqui em Salvador é a de uma pessoa em Brasília ver um ônibus, rsrsrsrs. Inclusive a passagem tinha o mesmo preço de você comprar uma Limousine!!! Era mais ou menos isso, se você conseguir eliminar os exageros, rsrsrsrs (espero que não seja mais assim). Eu andava pra caralho lá!! Só que tem um detalhe: Aqui não existe a cultura de dar carona a um qualquer na rua. Lá você sempre poderia encontrar alguém que parava se você gesticulasse por uma carona no meio do nada! E todo o meu sufoco era remediado no fim de semana com algum evento de música barulhenta! Você não perguntou de Aracaju, mas morei lá por 4 anos! Também vivi de perto o underground! Tinha umas confusõeszinhas, mas o underground andava! Muita gente raçuda com a faca nos dentes, bons fanzines, boas bandas de várias linhas do Metal. O interior sempre produzia algo e a galera saía de Aracaju num buzão pra pegar show no interior! Eu tomava todas com os headbangers na praça do Siqueira Campos, no Bairro América, pegávamos shows insanos no Gonzagão, no Gonzaguinha e na antiga ATPN. Repare que eu evitei citar bandas e pessoas porque se for juntar o DF, a Bahia e Sergipe, eu vou citar tanta banda foda, tanta gente guerreira, vou tomar um espaço da porra e ainda serei injusto porque vou deixar muita gente de fora.  Eu me sinto um sortudo por ter um dia conhecido essa porra chamada underground! Eu não funciono se deixar de viver isso! Nos lugares que morei procurava logo os contatos assim que chegava na cidade. Fiz amizade pra caralho por causa do underground! Faço até hoje! Já fui a trocentas cidades do interior pra pegar show, em diversos estados eu também já fui, em busca de festivais undergrounds! Nisso a gente vai somando experiências, conhecendo mais gente boa! Óbvio que nesses anos todos conheci uma caralhada de Zé Ruela, gente otária que não vale nada! Ressentidos, filhos da puta, gente mesquinha… Mas é isso! Faz parte, a rapadura é doce, mas não é mole, não. Assim é o underground, assim é a vida!

Robson Desgraça: Sobre o tema da reclamação eu acho interessante que tem muita gente que se acostumou a ouvir a maioria reclamar e então reclama também, mas sem saber se tal reclamação tem validade. Tem isso!! Uma galera que ama viver o underground, apóia, contribui, frequenta a cena, faz, faz, faz e depois fala “Não faço cena, tô pouco me fudendo pra cena”. Rsrsrssrsrs! É mole? Parece que tá fazendo tipo. Tem muita gente assim, viu?  Meu movimento é sempre pra fazer o cara refletir se ele realmente concorda com o que ele mesmo está falando.  Sobre a sua pergunta, eu iniciei o Desgraça Zine no final de 2006. Eu tinha voltado a morar aqui em Salvador e estava bem angustiado com a inicial eclosão das redes sociais. Aquela exposição do Metal, da forma como ocorria (e ocorre até hoje), foi difícil aceitar no início; tenho dificuldade de aceitar até hoje, mas naquela época eu não estava tão acostumado. Eu ainda não consigo dar legitimidade a certas mudanças, tanto é que não tenho rede social. Não se trata de uma postura “burro empacado” que nega a tecnologia. Eu tenho whatsapp e tenho um canal de poesia no youtube, tenho e-mail e tal. Criei o Desgraça Zine pra botar as angústias para fora. Eu desde garoto enxerguei o elemento político que está arraigado no Metal e muita gente tenta negar, fazer o Desgraça Zine era uma forma de ajudar a cena do meu modo e também expressar convicções políticas e filosóficas a respeito do submundo cultural. Começou com impressão xerográfica e, com o passar do tempo e minha vontade de caprichar mais nos desenhos e na produção, acabou virando um zine de 96 páginas, impresso em gráfica em 300 cópias (já teve edição que saiu em 500)

Robson Desgraça: Obrigado pelas palavras! Clauriscésar é um contato antigo meu. Forbidden Music! Grande guerreiro! Foi  ele um dos responsáveis do Desgraça Zine chegar no sul e no centro-oeste do Brasil. Muita gente dessas regiões citaram a Forbidden Music pra mim, dizendo que conheceram o zine por causa de Clauriscésar.  Outros guerreiros de outras regiões do país e até de fora dão essa força. E me honra muito ouvir depoimentos como o seu. Saiba que algumas pessoas também me motivaram a fazer fanzine, me fizeram acreditar nessa coisa e não desistir. Clay Atheistic do Lágrimas Pagãs Zine (Aracaju/Se) e Felipe CDC do Brasília Fina Flor do Rock (Brasília/DF), por exemplo, foram minhas inspirações zineiras! No underground a gente inspira e é inspirado. É sempre uma troca! Quanto a pergunta: Primeiro é preciso que a banda tenha um vínculo de respeito com a causa underground. Eu preciso gostar do som também, preciso gostar da lírica, a banda precisa ter uma postura que seja lida como algo de caráter; Ou seja, não vai rolar banda nazifascista ou banda que eu acredite que coloca a grana na frente da combatividade e do amor ao Metal (a não ser que eu não saiba). Não vai rolar banda que fuja dos critérios que constituem o estilo. Não vai ter nada de new metal, nem white metal. Mas pode rolar algo fora do Metal extremo ou Heavy tradicional. Talvez um Crust, talvez um Crossover, um Grindcore…Quando eu penso em entrevistar alguém procuro sempre alguém que tenha algo a dizer. E as vezes acontece da pessoa falar coisas que não concordo, coisas que acredito que não estão de acordo com a causa underground. Porém nunca acontece do entrevistado só falar algo assim! Ele vai dizer duas ou três coisas que não estão de acordo com o que eu acredito. Tá valendo! Bola pra frente! Se fosse algo tão discrepante eu identificaria antes de convidar. Vai ter coisa, referente ao Metal underground, que o entrevistado estará certo e eu errado. Com certeza absoluta. Existem diversas concepções a respeito do que é o underground e cada um tem sua visão. Como somos uma coletividade, concordaremos com muita coisa e discordaremos em um ou outro aspecto. O verdadeiro underground está na intersecção de nossas opiniões. Está naquilo que concordamos. Por isso é tão importante o debate, a gente vai debatendo e usando a persuasão, a narrativa que se consolida vai dando sentido a coisa. Eu acho bobeira a fuga da discordância. Acho bobeira a fuga do debate e o medo de ser convencido. Eu sou muito acostumado a convencer. Por isso não tenho medo de ser convencido, faz parte. As pessoas me convencem bastante também. Estou aberto a isso. Mas não o farei por caridade. Sou brigão nesse sentido. Se eu perceber que a pessoa, num debate, tá chateada porque precisa de uma concordância minha pra ficar em paz, eu não darei essa paz a ela. Ela precisa ser forte. Quero força argumentativa. Se me mostrar essa força dou o braço a torcer feliz da vida. Por isso que as entrevistas regadas a cerveja ganharam fama de serem entrevistas mais quentes. Ali rola um debate, pergunto, opino; a banda responde, discorda, caímos na gargalhada… Tudo parece espinhoso e ao mesmo tempo suave. Gosto de toda suavidade compromissada. Uma entrevista para um fanzine de Metal não pode ser um papo de compadres! Também não pode ser um roteiro escrito no programa de Ratinho ou num octógono de UFC. Como só faço 3 entrevistas por edição é muito complicado escolher a quem entrevistar. Penso muito antes de escolher

Robson Desgraça: Por serem longas, não. Inclusive a galera gosta. E não são todas as resenhas que são longas, tem material que chega pra mim com uma ou duas faixas, letras interessantes, bem legais, mas dentro do molde, dentro do esperado. As vezes também não vem o encarte com as letras e a avaliação da lírica fica comprometida. Também a capa simples as vezes diz pouco a respeito da obra. Então tem disco que não tem muita coisa a ser dita. A resenha vai ser um pouco menor. E isso não quer dizer que a banda não fez um bom trabalho, sabe?  As avaliações são feitas em cima de um todo; não é somente som. E aí, muitas vezes, recebo um trabalho com uma sonoridade contundente, com lírica abordando um conceito bem complexo, conectando capa e postura da banda, porra! É obrigação minha falar de tudo! Seria injusto com a banda se eu falasse, de uma maneira bem genérica, só do som. Já teve headbanger que me disse que fazer essa avaliação acurada é importante, principalmente, – segundo ele – porque a maior parte do público brasileiro do Metal não fala outro idioma a não ser o português. Na opinião desse bróder, tratar os conceitos contidos nos lançamentos com certo afinco ajuda a turma a entender melhor a coisa, ajuda ideologicamente. E eu concordo em 100% com ele.E assim: Eu só faço resenha de obras físicas. Acho importante ter um pé fincado no mundo real. É outra questão ideológica importante pra mim.O que já desagradou a um ou outro imaturo foi alguma crítica negativa que fiz. A maior parte das bandas – quando recebem uma crítica negativa – têm um comportamento exemplar. Mas de vez em quando tem gente que fica puto da vida. Não posso fazer nada. São poucas as resenhas assim, tem edição que não tem nenhuma avaliação com críticas mais fortes. Quando ocorre procuro ser muito respeitoso, argumento com muito cuidado e no final da resenha é muito comum eu pedir desculpas pela sinceridade, dar sugestões e dizer que estou torcendo 14 pela banda. No geral os trabalhos que recebo são dignos de elogios com algum pequeno detalhe que discordo e aponto.

Robson Desgraça: Eu tenho uma paixão pelas artes plásticas e por quadrinhos. Minha relação com os desenhos e pinturas vem muito antes de eu conhecer Metal. Bem guri, eu pintava quadros infantis e minha mãe levava para vender aos colegas de trabalho. Eles usavam para decorar o quarto dos filhos. Na adolescência trabalhei numa extinta rede de Supermercados aqui chamada Paes Mendonça. Lá eu fazia cartazes à pincel usando nanquim, pintava placas de propaganda gigantes, fazia pinturas decorativas em isopor para promover produtos; lá aprendi serigrafia também, aprendi a pintar faixas e outras tantas atividades (também lavei pratos, lavei o chão da loja, contei mercadorias, arrumei prateleiras e descarreguei caminhão). Fui pra lá porque já tinha uma forte relação com desenho e pintura. Na puberdade, numa época sem Internet e ainda sem videocassete, eu conseguia, através de uns primos mais velhos, os chamados “catecismos”. Catecismo era um curso bíblico promovido pela igreja católica, todo guri “tinha que fazer”. Só que para a garotada daquela época “catecismo” eram revistas em quadrinhos pornô. Claro que chamar de Catecismo era uma sacanagem, uma ironia com a igreja. A bananinha descascada no banheiro estava garantida! Carlos Zéfiro foi o mais importante desenhista de quadrinhos de putaria; ele e alguns outros influenciaram muito no meu traço. Gosto muito de desenhar quadrinhos, inspirados nos antigos “catecismos”. Lembro que dava grana e pedia a minha irmã mais velha pra comprar revista Playboy na banca de revistas para que eu pudesse desenhar as modelos nuas. Eu tinha uma tara com isso! Adorava desenhar o corpo feminino e quando terminava, ficava admirando o que eu tinha conseguido fazer! Então eu levava o desenho pro banheiro pra poder pegar o careca de galera!!!! Depois veio a paixão pela obra de artistas obscenos dos quadrinhos como Paolo Serpiere e Milo Manara. Dois gênios da putaria filosófica e política em forma de quadrinhos!! Também não dá pra deixar um Márcio Nicolosi de fora. Além dessa coisa do erotismo e/ou pornografia, a obra de John Buscema também foi algo forte na minha história! Steve Dillon, Flávio Colim, Roger Cruz, Will Eisner, Scott Mc Cloud, Steve Pugh, Frank Miller… Depois de velho, descobri uma galera que me enche os olhos: Joe Sacco, por exemplo, faz um trampo foda! Ele é um ativista na causa palestina e usa os quadrinhos nesse engajamento. Mozart Couto – que cheguei a ter contato com a obra dele quando tinha uns 20 anos – mas não marcou, depois de virar macaco velho redescobri e fiquei fascinado!!  E dois caras que fizeram uma obra interessantíssima chamada DMZ: Burchielli e Brian Wood.  Tem uma galera que admiro e tento usar como inspiração quando penso em fazer desenhos na linha dos quadrinhos. Nas artes plásticas, com certeza, o nome mais forte na minha história é o de Marcel Duchamps. Os dadaístas (e os anarquistas) também fundamentaram muito o que penso sobre arte. E só citei gente foda! Mas meu traço, meus desenhos não chegam aos pés dos deles! Me considero um cara esforçado e teimoso! Eles não são como eu, ele são gênios!!

Robson Desgraça: É um tema que sempre me instigou. A princípio por causa dos desejos mesmo. Da curiosidade corporal, instintiva. Das descobertas. A princípio era por causa das sensações, das vontades reprimidas que precisavam sair de qualquer jeito. E saíam através de uma estética que se valia de técnicas de desenho. Apreciar obras foi fundamental, ter algum artista para gerar admiração e inspiração (artistas citados na questão anterior). O segundo estágio foi perceber o quanto erotismo e pornografia podem carregar temáticas associadas a política, filosofia, sociologia e tal. Depois de alguns anos lendo, entendendo e experimentando a poesia e o fazer poético; percebi que o sexo poderia encontrar seu porto seguro nas palavras, nos versos.O tema é cercado de tabus, isso me provocava curiosidade do mesmo jeito que o tabu envolvendo o tema diabo ou pecado também provocava. Esse interesse – hoje percebo – tem a ver com um perfil rebelde, o mesmo perfil que me levou ao Metal. O controle que os dominadores exercem sobre os dominados perpassa pelo controle do corpo; as religiões abraâmicas tratam o corpo como um poço de pecado, há um estímulo ao desprezo pelo corpo. A ideia é fazer você se desconectar do mundo material (quanto menos você compreende o real, mais facilmente sua mente sucumbirá a ideias que culminarão no seu domínio) seu próprio corpo é a porta de entrada pra você perceber, ter contato com a realidade material. Através de estímulos vindos do mundo material e captados a partir dos sentidos a gente entende a realidade ao nosso redor e interage com essa realidade. O tesão é uma sensação que coloca nosso corpo disposto a interagir.  Sobre essa coisa da dominação do corpo a gente pode entender que, por termos uma sociedade machista, a mulher é colocada numa posição de submissão e dominada pelo homem. Observe que nós, os homens, temos o direito de sair sem camisa num dia de calor, podemos andar com os mamilos expostos; quando a gente é criança toda expressão de virilidade é exaltada pelos adultos. O menininho quando estimula o pinto é “uma gracinha” o adolescente namorador é pegador” E as meninas podem exibir os mamilos na rua em dia de calor extremo? O que acontece se uma menina esfregar a vagina em público? E se a adolescente for muito danadinha e namorar vários meninos? Que termo é usado para classificá-la? Algo positivo ou negativo pra ela? Como fica a mulher se é flagrada traindo o marido? E o homem? Como é quando um homem tem uma relação extraconjugal? O fato das mulheres não terem direitos sobre seus corpos da mesma forma que os homens têm, demonstra um domínio. “Você só pode isso, isso e isso. Tal coisa você não pode.”  Os homens, que estão numa esfera acima das mulheres nessa lógica de poder, também tem seus corpos controlados (menos que as mulheres) pelo moralismo abraâmico (no caso do Brasil, moralismo cristão).  Então expressar-se por meio de alguma linguagem artística, usando esse tabu como tema é lançar um questionamento muito válido. Acho bizarro é que o controle dos corpos pode se dar de diversas formas. Diante de tantos séculos de luta contra a coerção, contra o moralismo, diante de tanta coisa que foi produzida pela cultura e pela arte, a gente conseguiu ganhar algum terreno. Aí, então, o sistema arruma uma maneira de voltar ao controle. “O moralismo cristão faz efeito, mas perdeu certa força? O que faremos se muita gente não cai mais no nosso discurso de desprezo pelo corpo?” Acrescenta-se mais uma estratégia: Rede social! Separação dos corpos!! Pornografia no “mundo virtual” sob a égide de grandes corporações!! Solidão! O que tem de gente que não sabe fazer sexo!!! A sensação “isolada” da masturbação! Masturbação como única possibilidade e presa ao mundo pornográfico virtual. O uso do corpo pra entorpecer o cérebro: Uma batida repetitiva, dois versos durante toda a música! Na próxima música a fórmula se repete: Uma batida, dois versos repetidos como num transe! “Senta aqui na minha caceta / Vem lamber a chapeleta!” Se em muitos casos não dá pra conter o ímpeto sexual humano, então a ideia é promover uma expressão do desejo sexual que não seja libertadora. Eu sempre vejo festas na rua, nas comunidades que transito ou na que moro, aquelas festas, “Paredão”. A batida eletrônica, o mantra high-tech e os versos repetidos exaustivamente, muitas vezes expressando o estímulo sexual aliado à submissão e inferioridade da mulher. Muitas vezes também exaltando o “comedor” das “novinhas”, a virilidade dele, a potência da pica e a vida bandida “luxuosa” que ele leva na favela, um glamour que esconde a expectativa de vida do povo preto e pobre que entra no mundo do crime (bang!!). Essa é uma falsa liberação sexual! É domínio dos corpos pretos!!! E pra combater isso percebo que muita gente acha que a solução é voltar ao moralismo cristão!!! Se você faz um trabalho usando o sexo como tema, a sensualidade como pauta, se você, na mensagem que quer passar, exalta a beleza do corpo feminino, logo será criticado: “Isso é sexualização da mulher!!” A expressão heterossexual é homofobia? Machismo? Calma lá! Se não mudamos de mala e cuia para um convento! A luta deve ser em prol da verdadeira liberação sexual para todos! Para avançarmos mais e mais! E não para voltarmos a tratar o sexo como tratávamos na Idade Média! Por isso acho que o sexo deve continuar sendo tema de desenho, quadrinhos, pintura, poesia, prosa, cinema e toda e qualquer linguagem artística! Viva aos orgasmos!!

Robson Desgraça: Cê acredita que não tem nenhuma entrevista que eu tenha feito, que me deixou chateado ou muito decepcionado? Realmente, tem banda que aceita dar uma entrevista e quando você começa a perguntar a pessoa responde com uma frase. Uma palavra. Cara chato. Não queria dar a entrevista? Era só dizer não. Isso não me deixa tão chateado a ponto de querer citar aqui o nome e tal. É algo legal? Não acho que seja, mas o principal prejudicado é a própria banda.Se trata o Desgraça Zine com esse desinteresse, é porque trata assim outros fanzines também. Em breve a cena underground vai olhar para a banda com certa desconfiança. Já ouvi dizer que algumas bandas quando fecham contrato com um selo forte, são, em alguns casos, proibidas de dar entrevista a qualquer veículo de comunicação que não tenha um mega alcance, um alcance de “X” leitores ou “X” visualizações. Obviamente que os fanzines estão de fora! Tem banda que nem precisa da coleira do contrato escrito pra fazer isso. Não dá entrevista a fanzine ou dá com má vontade, mas quando vem uma entrevista num canal bombado do youtuuuuube!!! Baixa as orelhinhas, rsrsrsrs… fica todo bonzinho. Eu conheço uma caralhada de gente no underground que olha com maus olhos aquela banda que não aparece em fanzines. responder uma entrevista pra fanzine e se portar com desdém também não soa bem. Gera desconfiança, mostra que o cara não entende a importância desse tipo de ferramenta. Acredito, eu. Posso estar errado. E realmente não gostaria de citar. A galera que tem as edições mais antigas pode pegar e dar uma conferida. Tá lá. Registrado. As entrevistas que mais gostei de ter feito foram aquelas que sentei com a banda na mesa do bar ou aqui em casa, tomamos muita cerveja e o papo foi gravado e depois transcrito para colocar no zine. O “depois” é trabalhoso, mas o resultado final é muito significativo. Levo um roteiro de perguntas que elaboro previamente e no calor do momento surgem as réplicas e o papo rende.  Após mais da metade da entrevista estamos mais eufóricos por causa do álcool e aí é que as respostas ficam mais legais! Dá pra extrair a verdadeira essência headbanger!! O Desgraça Zine tem entrevistas por e-mail e whatsapp que são fantásticas! Dei muita sorte de conseguir escolher muita gente foda pra entrevistar!! Mas as entrevistas – tomando uma – foram as que mais curti ter feito. Toda edição tem uma!!

Robson Desgraça: Sim, sim. Curti ter feito a entrevista com o Krisiun e também a que fiz com o Incantation. As duas tem bastante tempo. Foram entrevistas feitas por e-mail;  eu curti, primeiro porque (assim como outras tantas) os caras deram show nas respostas, segundo porque Krisiun e Incantation não precisam do Desgraça Zine pra porra nenhuma! O patamar de respeito que conquistaram no underground mundial é muito sólido.  Bandas que “não chegaram lá” (ou ainda não) não dependem! Quanto mais banda que tem tanto respaldo. Isso mostra muita coisa a respeito das duas bandas. Não tem nada a ver com humildade ou caridade, tem a ver com vínculo! É entendimento do que significa ser underground. Você pode “crescer”, mas não precisa cuspir nas raízes da contracultura. Isso deveria servir de exemplo pra tanta banda que não entende o valor dos fanzines para o submundo da música pesada. O festival eu organizei em 2016. Estava comemorando os 10 anos do Desgraça Zine. Trouxe o Velho, Black Metal de Duque de Caxias/Rj, muito conhecido no Brasil todo, né? Trouxe também uma grande banda de Death Metal do interior da Bahia, Vitória da Conquista, que é o Inside Hatred. Junto ao Velho fizeram apresentações memoráveis! Além deles os irmãos soteropolitanos das bandas Heretic Execution (Death Metal) e Trepanator (Thrash Metal) ajudaram a arrastar um público que lotou a casa de eventos. Os quatro grupos deram uma aula prática de música truculenta! Inesquecível!! E eu tenho vontade sim de fazer uma próxima edição do Festival da Desgraça!” quem sabe no 20⁰ ano? Falta pouco!

Robson Desgraça: Vejo um misto de aspectos positivos e negativos. Não sei dizer se a balança vai pender mais para um lado ou para o outro. Olhando a metade cheia do copo a gente vê uma grande quantidade de bandas muito competentes em suas maneiras de tocar Metal. Sonoridades criativas e, ao mesmo tempo, conectadas às matrizes do estilo, muita banda brasileira foda! Na última edição, por exemplo, eu resenhei uma banda chamada Orthostat. Aquele Death Metal avassalador já tinha me arrebatado; quando me deparei com a lírica eu vibrei!! O full “Monolith of Time” é um disco pra esfregar na cara de todos que gostam de classificar headbanger como burro. Aquilo é de uma riqueza absurda!!! Bandas com sonoridade arrebatadora e conceito acima da média pipocam no Brasil o tempo todo! Isso é foda na cena atual! Eu poderia citar Miasthenia, Aztlán, Hereticae, Mithological Cold Towers, Crepúsculo dos Ídolos, Luciferiano, Neros Benedictios, Absent, Surra, Velho, Erasy, Vazio, Poeticus Severus… olha eu de novo caindo na armadilha de citar e escorregar na injustiça! A cena também possui bandas que são verdadeiros baluartes do underground! Conhecidas no mundo todo! Não vou citar, mas todos sabemos que Minas Gerais é um celeiro, a Bahia tem história também, S. Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul… tenho certeza de que à medida em que eu fui citando cada estado, o headbanger ia pensando em uma ou duas bandas clássicas do Metal brasileiro muito reconhecidas pelo trabalho histórico. Hoje os equipamentos são melhores, as bandas soam bem melhor no palco, temos bem mais shows do que antes, sinto que a consciência política tem crescido, as bobeiras machistas deram uma melhorada (dá pra melhorar mais), tem mais mulheres frequentando a cena, fazendo eventos colocando bandas… No copo meio vazio a gente vê umas brigas desnecessárias, esporádica violência em shows, a gente percebe que com a ascensão do fascismo no mundo, a quantidade de merdas nazifascistas cresceu aqui no Brasil, mais bandas imbecis estão perdendo a vergonha de se mostrarem nazistas. Muito headbanger ainda dizendo que Metal não tem um lado e que é apolítico, muita gente que não tem a menor noção do que é underground pagando de “metaleiro” nas redes sociais, acreditando que viver o mundo virtual substitui a vivência no underground, dando força a uma narrativa do sistema que combate movimentos culturais rebeldes. Rede social levando a dissonância metálica para dentro da normalidade da cultura pop de uma forma jamais vista! Dissolvendo cada vez mais a essência macabra e niilista do Metal… Muita coisa ruim! Visshhh!!!! Mas a cena ainda vive! Nós ainda estamos vivos! E presentes! Ainda fazemos amizades! Ainda resistimos nessa porra!! Ainda temos vontades, desejos! Ainda nos movemos pra fazer a coisa acontecer! E ela acontece!

Robson Desgraça: Quando os subversivos se juntam de forma apaixonada e organizada algo de criativo, rebelde e eficiente vai surgir!! Pra mim é uma honra, inclusive, poder unir as ideias com figuras tão comprometidas como essas que compõem o Warfare Book Zine. E é preciso ter vínculo! Sem vínculo não tem cultura!  O underground tem essa característica! Seja para fazer fanzine, seja pra fazer um festival, pra colocar uma banda ou até mesmo pra ir num show, pra tomar umas cervejas num bar ao som do velho e bom Metal! _”In union we stand! / As They, blaze across the land! / In union we make a final stand!!” Tava ouvindo essa agorinha há pouco!!!  Quanto aos zines que eu recomendaria, além desses desses que você citou, eu recomendaria o Maléfica Existência, esse dispensa comentários. Merece todos os elogios por já ser longevo, pelo conteúdo e pela qualidade gráfica que dá saltos a cada edição! O Zine Death Metal do irmão Andrey lá de S. Mateus/Es! Trampo foda!! Conteúdo virulento, com fedor de cadáver!! Underground até o osso!! Andrey é dedicado demais! O cara consegue fazer um zine top do cabrunco e ainda o faz em português e inglês na mesma edição!! E essa porra roda o mundo! O Sepulchral Voice é outro que vale a pena citar. Não tenho contato com o editor, mas me impressiona a qualidade e as ideias do cara. O Maldição Nordestina do irmão Hediondo aqui de Salvador já é um trampo mais conectado às raízes. Xerocadão! Obsceno! Malévolo! Um lance mais voltado pro Black Metal. Outro zine interessante é o Seraph Zine, da dupla de Lucianos! Dois batalhadores das antigas (Feira de Santana/Ba e São Paulo/Sp)! O Varejeira no Céu da Boca Zine é outra recomendação minha! Fanzine do irmão Chackal (da banda Thrashera) carioca, mas hoje radicado em S. Paulo, trabalho dedicado à poesia macabra e política! Lembra muito aqueles fanzines mais simples (e eficientes) que circulavam no underground nas décadas de 80 e 90. Varejeira no Céu da Boca vale muito a pena ler! Tem também o Rex Inferis do irmão Danilo aqui de Salvador/Ba (bandas Rottenbroth e Papa Necrose). Trampo dedicado ao Death Metal. O cara é um louco pelo estilo e precisa dedicar 666% do tempo dele ao Metal da Morte! Viver nos palcos acabando com as esperanças de vida eterna, enquanto estoura os tímpanos alheios é pouco pra ele. Então Danilo foi fazer fanzine também. Porra! Vou esquecer de muita gente! Tem o Nails From The Black Book de Carlos lá de Teresina/Pi, o Armagedoom zine que também é feito pelo mesmo cabra, o trampo é todo dedicado ao Doom Metal! Gosto muito do Alerta Subterrânea lá da Bolívia, mas não sei se ainda está na ativa, o Demons Jail Zine do Chile. Cara eu tinha bastante contato com alguns zines mexicanos, tinha um dos Estados Unidos também, era o Reborn From Ashes Zine. Alguém mandou o Desgraça Zine para o editor e ele mandou pra mim esse zine dele, ele é um mexicano que vive nos E.U.A. Bom trampo também, mas não sei se ainda tá ativo. Espero que sim. São muitas publicações undergrounds de qualidade circulando por esse mundão!!! Muita coisa boa!


Robson Desgraça: A honra é minha! Quero agradecer ao amigo Walter por acreditar no Desgraça Zine, agradecer pelo grande apoio, por ajudar a divulgar o Desgraça aí no sul do país. Também por sua dedicação à causa subterrânea, pelo seu esforço em continuar a batalha zineira!  E agora com distro e selo também!! A edição 13 do Desgraça Zine deve sair até o fim deste ano. Passei bastante tempo me dedicando ao meu livro de poesia, agora tá pronto e estou na batalha para lançar. Só terei cabeça pra começar a edição 13 quando isso acontecer. Minha previsão é o final deste ano de 2024. E é isso! Deixo aqui um salve aos leitores do The Old Coffin Spirit Zine! Continuem na resistência! Mantenham-se afastados de deus! Mantenham-se cuspindo no nazifascismo e na burguesia!! E nunca acreditem em quem trata o Metal como uma grande oportunidade do mercado!!! Um forte e fraterno abraço a todos!!!!

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