DATA DE LANÇAMENTO: 14/07/2023
A cena metal, principalmente a brasileira, adora uma treta digna de novelas do Jorge Amado e o lançamento dessas regravações foram o tema de mais uma tempestade de merda que foi jogada ao ventilador nos últimos meses. Uma parte critica tudo, desde a regravação até mesmo se os caras podem ou não fazer isso. Ah, vão se foder. Os caras, gostem ou não, apoiem ou não, estão na ativa desde o início dos anos 80, criaram essas músicas e tem todo o direito de resgatá-las quando bem entender.
Como fã do velho Sepultura, posso afirmar que ouvir esses dois álbuns com uma regravação mais poderosa é algo realmente foda. O CAVALERA jogou pesado e acertou em cheio em todos os velhos fãs que apreciavam aqueles materiais dos primórdios da sua carreira.
Quando o primeiro single do álbum saiu, já foi um choque. Não tinha nada de polido no material. Obviamente – e se você não consegue entender isso, paciência, a gravação vai soar diferente. Não temos aqui garotos de 15 anos tocando com instrumentos dos anos 80. Temos dois dos músicos de metal mais experientes do país, que tocam sem parar há décadas e que já fizeram mais shows na vida que a maioria de nós nunca vai chegar nem próximo. Há sujeira, há aquela atmosfera maléfica e até mesmo “ingênua”, mas certamente há o espírito juvenil daqueles moleques que tentavam criar uma sonoridade que fosse puro caos.
Começei a audição com o “Bestial Devastation” e meu amigo, isso tá lindo. Como é foda conseguir ouvir com uma qualidade como essa aqueles velhos clássicos do metal brasileiro extremo que moldaram toda uma geração de headbangers. “Bestial Devastation”, “Antichrist”, “Necromancer”, “Warriors of Death” (essa música aqui ganhou uma nova vida tão absurda que me faz pensar em como esse álbum teria sido recebido na época se fosse tocado com essa intensidade e qualidade. Seria algo surreal). Ouvir cada umas dessas faixas é um retorno no tempo. Confesso que estava muito curioso em ouvir a faixa inédita que foi gravada nessa versão e que nunca havia sido gravada antes (que eu pelo menos saiba). “Sexta-Feira 13” é uma pérola brutalíssima e cantada em português. Há uma pegada da agressividade do punk e soa totalmente como o metal nacional daquele período. É uma pena que a banda não tenha incluído essa composiçao na versão original do álbum. Há uma referência claríssima ao Celtic Frost a partir dos 1:55.
Totalmente fudida essa composição. “Bestial Devastation” em sua versão 2023 ficou totalmente foda, mas quando coloquei o outro álbum “Morbid Visions” para tocar, aí a coisa ficou séria. Quando a faixa título começa a tocar você entende o quanto esse material era foda para a época em que foi composto e gravado. Infelizmente a banda estava muito longe dos melhores estúdios e técnicos para conseguir uma produção mais profissional. Rápida, cheia de riffs infames, vocalização das cavernas. Receita perfeita. Havia muito do metal extremo alemão no som dos caras.
“Mayhem” é uma pedrada na cara. A vocalização me lembrou o primeiro do D.R.I. pela velocidade e vocais cuspidos. “Troops of Doom” deve ser a música de metal nacional mais tocada na história da humanidade e por isso mesmo soa cansativa, mas não deixa de ser um clássico dentro da discografia da banda. Mas aqui tem alguns detalhes interessantes na execução da música que a deixaram mais atual, mas mantendo a essência da composição. Nada demais, mas suficientemente bom para acrescentar.
“War” soa tão mortal em 2023 quanto soava na época de sua gravação. Música rápida e ríspida. Há algo de Slayer, Sodom e Kreator aqui. Puta composição. Já “Crucifixion” invoca demônios, espalha pragas e soa puramente maléfica. Para mim era uma das melhores, senão a melhor música do álbum. O “uuhhh” a la Tom Warrior mostra que a banda era uma grande influência para os caras naqueles primórdios.
“Show Me the Wrath” é uma daquelas faixas que passam mais desapercebidas dentro do álbum em comparação às faixas mais conhecidas, mas ela não fica um milímetro atrás desses clássicos. Rifferama fudida, bateria bate estaca e uma vocalização maldita. “Funeral Rites” tem uma pegada inicial que volta novamente aos suíços do Celtic Frost, algo mais pesado e épico, como o que ouvimos no álbum “To Mega Therion”. Mas isso logo passa e a porradaria é liberada sem piedade. O riff principal é puro metal da morte em seus primórdios. O refrão seria berrado a todos os pulmões em um evento ao vivo (espero que a banda venha ao Brasil com essa tour).
Na versão original do álbum, a faixa “Empire of the Dead” fechava o lado B do material, mas aqui ela é a penúltima música. Outra música que ficou um pouco obscurecida por causa das mais conhecidas. É uma música que é brutal, mas traz aqui alguns riffs mais thrash metal que se tornariam tão presentes no álbum “Schizophrenia”. Há um riff aqui que soa totalmente Metallica em seu auge. Uma faixa matadora.
“Morbid Visions” também traz sua faixa bônus inédita, nesse caso em questão é a faixa “Burn the Dead”, uma porradaria absolutamente infernal. O início vem com aquelas famosas “metrancas”, tão comuns antes da época dos blast beats. Era brutalidade orgânica em sua pureza. Curioso é que há alguns climas aqui que você pode ouvir no debut álbum dos americanos do Necrophagia, ou seja, existe uma possibilidade dos brazucas terem servido como influência para o trampo criado pelo falecido Killjoy.
Não poderia terminar essa resenha enorme, mas necessária, sem falar da releitura das capas dos dois álbuns que foi assinada pelo artista Eliran Kantor, que trouxe as artes dos dois lançamentos para uma releitura ainda mais obscura dos originais. Para mim os dois álbuns aqui regravados soam incríveis e não cabe comparações simplórias com aquelas gravações dos anos 80. São outros personagens (ainda que os mesmos), outra atmosfera, outra era. Aqueles álbuns originais são pura história do metal nacional e “Bestial Devastation” e “Morbid Visions” em sua versão 2023 são álbuns que honram aquele momento e atmosfera também.
Ambas as versões tem seu local e seu papel em uma história tão rica quando é a dos irmãos Cavalera em sua trajetória dentro do heavy metal mundial. Gostando ou não de suas escolhas ou criações artísticas, o respeito pelo que representam dentro da memória metálica brasileira e mundial é inegável. Mas para mim, fica uma dúvida… como teria soado o Sepultura se o Andreas não tivesse entrado na banda, Jairo continuasse e eles seguissem evoluindo dentro dessa sonoridade inicial ? Nunca saberemos…. Mas que é bom ver os irmãos Max e Iggor destruindo tudo nesse material, isso é.
Ansioso para colocar as mãos nesse material em vinil.
PS: Os álbuns serão lançados separadamente e aqui a resenha unificou os dois por uma questão apenas de praticidade.
“Bestial Devastation” tracklist:
- The Curse
- Bestial Devastation
- Antichrist
- Necromancer
- Warriors Of Death
- Sexta Feira 13
“Morbid Visions” tracklist:
- Morbid Visions
- Mayhem
- Troops Of Doom
- War
- Crucifixion
- Show Me The Wrath
- Funeral Rites
- Empire Of The Damned
- Burn The Dead