O ANARKHON foi formado em 1999 e já tem 23 anos de trajetória. Essas mais de duas décadas foram ininterruptas ou vocês chegaram a parar em algum momento ? Pergunto isso pois o período entre os seus álbuns oficiais nunca foi menor do que 3 anos, inclusive entre “Welcome to the Gore Show” e o novo álbum foi de pelo menos 7 anos.
Aron Romero: Ficamos praticamente 7 anos parados por conta de duas coisas, a primeira foi as atividades ao vivo e turnês fora do país do Power From Hell e a segunda foi o fato de que nosso baterista se tornou pai e precisava de um momento para se dedicar a família dele, ano passado durante o início da pandemia decidimos que tinha chegado a hora de compor e gravar um novo álbum e assim o fizemos.
Observando a discografia da banda é possível ver uma constante estilística que durou do primeiro álbum “Obesidade Mórbida” até “Welcome to the Gore Show”, mas no seu novo material “Phantasmagorical Personification of the Death Temple” a mudança estética, musical e lírica foi absolutamente gigantesca. O que motivou todas essas mudanças ? A entrada do guitarrista Kleber em 2015 teve algo com isso ou foi um processo mais natural ?
Aron Romero: A entrada do Kleber não teve nada haver com nossa mudança, eventos pessoais e devastadores na vida pessoal de cada um, assim como a própria noção do mundo ao nosso redor parecer estar desmoronando contribuiu para que tivéssemos uma visão 100% cinza e pessimista da “realidade” atual e das pessoas como um todo, e isso refletiu naturalmente em nossa música, não apenas no Anarkhon, mas em todos nossos outros projetos musicais.
Falando de “Phantasmagorical…”, ainda que todos os outros álbums tenham suas qualidades, esse novo material simplesmente levou o ANARKHON para outro nível de brutalidade. De um death metal com fortes influências de Cannibal Corpse vocês mudaram para uma sonoridade absolutamente obscura em termos de composição, muito mais brutal, dissonante e carregada. O que mudou em termos de influências e composição ?
Aron Romero: Bom basicamente eu expliquei na resposta anterior o que nos levou a essa mudança tão radical para alguns, de repente não fazia mais nenhum sentido aquela veia cômica que é característica de bandas gore/splatter. Isso nos levou a consumir outras coisas na última década em termos literários e musicais que culminaram em influenciar nosso processo de composição.
No encarte há uma citação de H.P. Lovecraft e visualmente o álbum traz referências à obra do autor, mas é liricamente que isso se evidencia. Pode-se falar que “Phantasmagorical…” é um álbum conceitual ou não ? Quem é o responsável pela parte lírica ? Falando da obra de Lovecraft, o que mais te atrai no trabalho dele e qual seria o conto dele que você considera como aquele que realmente define a sua obra ?
Aron Romero: Como vem acontecendo desde que nosso vocalista Péricles faleceu em 2006, eu assumi a parte lírica da banda desde então assim como 90% da composição de riffs e etc…com certeza Phantasmagorical… é um álbum conceitual mostrando nossa visão do horror cósmico e dos medos e falhas humanas através dos insights perturbadores de H.P Lovecraft. Impossível mencionar uma obra definitiva de Lovecraft eu posso citar duas que são especiais para mim porque foram meu primeiro contato com o autor que são as obras “Dagon” e “Nas Montanhas Da Loucura”, mas toda a bibliografia dele tem algo a oferecer e congelar a alma de quem está lendo.
Ainda falando da parte artística, a capa do novo trabalho é maravilhosamente obscura. Quem criou a arte ? Você pode falar um pouco sobre o conceito dessa arte e como ela se liga ao aspecto musical que vocês abraçaram ?
Aron Romero: O desenho da capa foi feito por um artista da Indonésia chamado Jenglot Hitam porém 95% do trabalho dele é preto e branco e ao adquirir a arte nosso baterista Wellington coloriu a imagem o que ajudou a dar um ar mais obscuro a obra. Não pedimos para ele criar esse desenho ele já tinha disponível em seu catálogo e quando vi pensei que seria perfeito usá-lo como capa do álbum porque poderia representar uma visão abstrata e insana dos portais do reino da morte.
O álbum foi lançado no Brasil pela Soul Eraser Records e infelizmente o lançamento coincidiu com um período complicado no mundo com a pandemia de Covid-19. Isso causou um grande prejuízo em termos de divulgação e difusão desse novo material ou vocês conseguiram driblar esse problema ? Acredito que o uso da internet tenha ajudado muito. Como tem sido a aceitação de “Phantasmagorical…” no Brasil e no exterior ?
Aron Romero: A gente não se preocupa com isso de verdade, eu vejo bandas diariamente preocupadas em divulgar seus trabalhos e na maioria das vezes são capazes de qualquer coisa principalmente comprometer a integridade de seus estilos musicais em troca de likes passageiros e uma falsa sensação de reconhecimento e apoio, a extremidade sonora contida em nosso álbum também reflete em nossas atitudes em relação a vida diária, então não estamos preocupados se esse disco será um “sucesso” ou um “fracasso” mas devido ao trabalho intenso da Debemur Morti o feedback vindo de outros países está sendo grande e positivo até porque esse tipo de som é muito bem vindo e aceito principalmente em países Europeus, essa sonoridade não é tão forte e popular aqui no Brasil na verdade nunca foi, a noção de “sucesso” hoje por aqui são bandas, selos e etc…que seguem sonoramente, liricamente e que se comportam de uma forma plástica seguindo o modus operandi da agenda de “agradar a todos” do mundo atual, a Soul Erazer fez um grande trabalho aqui no Brasil mas acredito que quem tinha que comprar o álbum já comprou, o resto do trabalho está sendo feito de forma muito forte na gringa que é onde qualquer banda extrema colhe frutos de verdade do seu trabalho, infelizmente essa é a realidade.
Eu vi que o álbum vai ganhar uma versão em vinil pela Debemur Morti Records, da França. Como se deu esse contato ? Eu realmente estou curioso de ver esse material em vinil, até mesmo porque a capa é incrível e no formato vinil vai realçar ainda mais esse poder visual. Vocês irão ter esse material para venda aqui no Brasil ?
Aron Romero: O álbum foi postado na íntegra no Youtube em um canal chamado Odium Nostrum e teve uma ótima repercussão lá, o dono da Debemur Morti escutou o disco nesse canal, gostou e entrou em contato comigo e começamos a negociar e o resultado é o lançamento mundial do álbum em LP que será agora dia 25 de Março e sim vamos ter alguns LPs no Brasil em breve.
Eu citei antes a questão da pandemia e é um fato que esse momento caiu como um martelo em cima da cena musical mundial. Falando da cena metal temos festivais cancelados, casas de shows fechando, bandas que viviam de tours tendo que se reinventar para não sucumbir. Como você avalia que a cena metal não só no Brasil, vai sair disso tudo ? Você acredita que haverá uma forma das coisas retornarem ao patamar de antes do vírus ?
Aron Romero: Por questões econômicas óbvias acredito que vai demorar um bom tempo para países latino-americanos voltarem a ter “cenas” locais estruturadas, acredito que esse processo será mais rápido na Europa e América do norte, mas no geral apenas o tempo nos dirá. Sobre como a “cena” aqui vai sair disso tudo eu espero que saia menos infantil e medrosa especialmente dentro do metal extremo onde acho inadmissível alguns comportamentos e atitudes de bandas, promotores de shows, selos etc…, que agem mais preocupados em não serem “cancelados” do que em fazer um trabalho real em cima daquilo que supostamente “acreditam”, espero que a sensação de perda que essa pandemia trouxe consiga trazer de volta a seriedade e real extremidade que esse estilo tem que ter.
Obviamente falar em planos para o futuro nesse momento é meio que prematuro. Vejo que vocês tem trabalhado nos bastidores para manter o ANARKHON ocupado. Novo álbum, versão em vinil.. O que mais poderemos esperar da banda para 2021 ?
Aron Romero: Já estamos pensando no próximo álbum e fora isso nenhuma previsão de shows não apenas por causa da pandemia como também porque shows não são uma prioridade nossa de hoje em diante, vamos tocar apenas se valer muito à pena trabalhar com pessoas e bandas realmente sérias.
Realmente foi um prazer fazer essa entrevista e trazer um pouco do trabalho do ANARKHON para os leitores do THE OLD COFFIN SPIRIT zine/portal. Se você tiver algo mais a acrescentar o espaço é seu.
Aron Romero: Agradeço pelo seu interesse em nosso trabalho e em breve haverá novidades sobre a chegada do LP do novo álbum aqui no Brasil, fiquem atentos.